quinta-feira, 14 de novembro de 2024

POR QUE A INDÚSTRIA ENCOLHEU.

Resultado de más decisões, desindustrialização do Brasil é gargalo até para o mínimo nível de desenvolvimento.

Fala-se muito na Coreia do Sul e na China como bons exemplos de países que cresceram a taxas altíssimas com base em sua produção industrial, mas, entre 1950 e 1980, o país que mais cresceu no mundo foi o Brasil, em boa parte graças à indústria de transformação. Além da infraestrutura que começou a ser implementada por Getúlio Vargas, tivemos o plano de metas de Juscelino Kubitschek, que ousava crescer 50 anos em apenas cinco. Em pouco tempo, passamos a ter um dos parques industriais mais diversificados do mundo e nos tornamos o líder industrial da América Latina.

Naquela época, a indústria de transformação representava 35% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e o Brasil exportava roupas, calçados, armamentos, produtos eletrônicos e químicos. Era um dos principais produtores industriais fabricando automóveis, computadores e até aviões. Hoje, a manufatura mal chega aos 9%. Passadas várias décadas, verificamos que foram inúmeros os erros cometidos. Em 1990, teve início a importação de produtos industriais, com a justificativa de que a qualidade do produto brasileiro era baixa e que a exposição ao competidor estrangeiro é que iria promover o aumento da qualidade. O problema é que essa abertura foi abrupta, de uma hora para outra. O presidente Fernando Collor não só não deu um prazo mínimo para que os empresários brasileiros pudessem se adaptar à concorrência, como também não lhes deu os instrumentos necessários.

A China, em pouquíssimo tempo, abocanhou o mercado brasileiro de roupas e calçados. Fez isso porque suas fábricas já estavam amplamente automatizadas, enquanto as brasileiras não. As empresas daqui precisavam apenas de linhas de crédito para adquirir o mesmo tipo de máquinas — coisa que não aconteceu. O resultado: em dez anos, um milhão de empregos foram eliminados por puro desleixo.

Outra causa importante para a desindustrialização foi a extrema valorização da nossa moeda decorrente do boom de exportações de commodities no início deste século. Ficou muito difícil para a indústria exportar. Em contrapartida, tornou-se fácil importar produtos industriais. Só que o pouco que ainda restava da indústria de manufatura não resistiu a mais essa concorrência e, assim, de tropeço em tropeço, nossas fábricas foram fechando, nos trazendo ao cenário atual, em que somos sobretudo um país voltado para a produção e exportação de commodities. Para piorar, segundo o economista José Luis Oreiro, professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), dados do Banco Mundial comprovam que, nos últimos 30 anos, a pior desindustrialização do mundo ocorreu no Brasil.

Depois de muitos anos sem um plano que desse direcionamento à indústria, finalmente em março de 2023, o atual governo anunciou uma política industrial.

Trata-se de um documento ousado e bem-elaborado, focado em setores que serão importantes no futuro, como aqueles ligados às áreas de saúde, à Amazônia ou à descarbonização. Acontece que agora o problema da indústria não se resume à falta de uma política industrial. Há muito mais por fazer e, principalmente, há que se melhorar urgentemente o ambiente de negócios brasileiro, ou seja, reduzir o Custo Brasil. Por exemplo, transportar produtos ou peças em nosso país é absurdamente mais caro que em outros países, justamente porque não temos ferrovias. Já a energia elétrica, além de cara, falha com muita frequência. A carga tributária também é uma das mais altas do mundo, e a mão de obra brasileira tem uma baixa qualificação.

Enfim, há muito a ser feito — e com urgência. Sem as medidas que vão nos tornar competitivos, a indústria vai continuar encolhendo, ou pior: vai parecer que a culpa é da política industrial, o que será uma pena, pois é uma medida boa e necessária, mas não suficiente.

Por Paulo Feldmann, Professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP). Como executivo, ocupou a presidência de Eletropaulo, Ernst & Young Brasil (hoje EY Brasil), entre outras.

Fonte: Esfera Brasil