A mansão de Mukesh Ambani, homem mais rico da Índia, é uma das
residências mais caras do mundo. Batizada de Antilia, está avaliada em US$ 2
bilhões (R$ 7,6 bilhões) só perde para o Palácio de Buckingham, onde vive
a rainha da Inglaterra.
Uma única família de cinco pessoas ocupa os 27 andares de
Antilia. Seis deles são estacionamentos para abrigar a coleção de carros dos
Ambani. Há um cinema para 50 pessoas, clube com sala de ginástica e quadra de
basquete.
Da calçada onde monta seu "escritório", o vendedor de
chá Radeshyam Sahu, 45, consegue ver os últimos andares de Antilia. Todas as
manhãs, Sahu sai de sua quitinete, onde divide um banheiro no corredor com
outras quatro famílias, e vai até o bairro chique de Cumbala Hill para vender
copinhos de chá a 6 rúpias (R$ 0,30) aos passantes.
Sahu só
estudou até a primeira série, ganha 7.000 rúpias (R$ 390) por mês e tem pouca
esperança de progredir.
Na Índia, histórias de ascensão social e econômica como a do primeiro-ministro Narendra Modi, que começou a vida vendendo chá como Sahu e chegou ao posto de líder do país, são cada vez mais improváveis.
A probabilidade de um indiano nascido de pais pobres subir na vida é cada vez menor, principalmente para aqueles com baixa escolaridade. Apenas 8% dos indianos cujos pais estavam no índice de escolaridade 50% mais baixo conseguiram chegar aos 25% superiores, enquanto na maioria dos países, essa taxa é de 12%, segundo levantamento do Banco Mundial. Fatores como religião e casta também colaboram para a Índia ter um dos menores índices de mobilidade social do mundo.
Desde a liberalização da economia nos anos 1990, no entanto, a Índia tirou 170 milhões de pessoas da pobreza. Mas a desigualdade subiu.
Segundo o Relatório da Desigualdade Global, enquanto a renda dos 10% mais ricos no país aumentou 390% entre 1980 e 2014, a dos 50% mais pobres subiu 90%. Isso é menos que a metade do crescimento médio da renda em todos os estratos no período, de 190%.
Até os anos 1980, a Índia era conhecida como Raj das Licenças (reino das licenças). A política econômica era estatista, com proteção a indústrias locais, restrição a investimento estrangeiro e planejamento centralizado. Nos anos 1970 e 1980, quando a economia ainda sofria grande intervenção do governo, o crescimento do PIB era baixo conhecido como taxa hindu, não passava de 3,5%, mas a desigualdade também era baixa.
Com a liberalização e desburocratização dos anos 1980 e 1990, a economia ganhou eficiência por causa da entrada da concorrência e reformas pró-mercado.
Mas a Índia passou de um Raj das Licenças para um Raj dos Bilionários. Nos anos 1990, havia apenas dois indianos na lista da Forbes de bilionários.
Hoje, há 106 bilionários indianos na lista da Forbes entre eles Mukesh Amabani, dono das Indústrias Reliance e da mansão-prédio Antilia.
Nos últimos anos, o crescimento do país acelerou e superou 8% em vários momentos. Em 2015, a desigualdade na Índia atingiu o maior nível desde 1922.
Parte dessa concentração de renda deve-se ao modelo de desenvolvimento adotado pela Índia.
Ao contrário da China, a Índia não conseguiu desenvolver um setor grande de manufatura após a liberalização. A indústria é um grande empregador, que poderia absorver boa parte das milhões de pessoas desempregadas ou subempregadas. No entanto, o crescimento indiano foi puxado pelo setor de tecnologia da informação, que não gera um número suficiente de empregos para grandes parcelas da população que não têm qualificação.
Essas pessoas continuam presas à agricultura, que vive uma crise de preços e cresce sistematicamente abaixo do PIB. Isso não deve mudar tão logo 66% da população indiana ainda vive na zona rural.
Sem emprego ou qualificação, grande parte da população da zona rural que migra para as cidades acaba morando em favelas como Dharavi, a maior da Índia.
Asha Jayawant Bagul, 65, veio de um vilarejo em Maharashtra, estado onde fica Mumbai, há cerca de 30 anos, e se estabeleceu em Dharavi.
Com 1 milhão de habitantes, é a terceira maior favela do mundo atrás apenas de Neza no México, e Orangi Town em Karachi, Paquistão. Ganhou fama como cenário do filme "Quem Quer Ser um Milionário".
A grande maioria dos moradores de Dharavi precisa usar os malcheirosos banheiros públicos espalhados pela favela. Não há saneamento básico e o esgoto corre ao ar livre.
Asha perdeu o marido há quatro anos, e seus dois filhos jovens já haviam morrido. Hoje, divide um cômodo em Dharavi com a filha, Shashikala, 30, e o neto, Mangesh, 9.
Shashikala é costureira e ganha 7.000 rúpias (R$ 390) por mês. Asha trabalhava como faxineira, mas teve que parar porque tem um problema de quadril e precisa de cirurgia. Não consegue ser operada nem no hospital público, onde os pacientes precisam pagar pelos materiais cirúrgicos e medicamentos. "É muito gasto para pouco dinheiro, a gente sempre acaba indo dormir com fome", diz Shashikala.
Asha Jayawant Bagul, que divide cômodo em favela com a filha, Shashikala - Javed Atique/Folhapress
O grande desejo de Asha é comer uma maçã. A caixa custa 200 rúpias (R$ 11). "Faz tanto tempo que não como fruta que até esqueci os nomes. Faz anos que não como uma maçã", diz Asha. Ela e a filha nunca foram ao cinema nem a um restaurante. A diversão da família é assistir a novelas e desenhos animados na pequena TV de tubo.
Arvind Panagariya, que foi vice-presidente da comissão de planejamento no governo Modi e continua muito próximo do primeiro-ministro, acredita que desigualdade de renda em si não é um problema. "Não existe nenhum país no mundo que cresça mais de 7% ao ano durante uma década sem ter aumento de alguns indicadores de desigualdade", disse à Folha Panagariya, atualmente professor de Economia na Universidade Columbia.
De 2004 a 2014, Índia registrou maior crescimento de sua história, média de 8% ao ano. "Na minha visão, para um país em desenvolvimento, combater a pobreza é muito mais importante do que ficar obcecado com a desigualdade. Se o crescimento está ajudando a reduzir pobreza, o que certamente é verdade na Índia, mesmo que a desigualdade aumente, ainda é melhor do que não ter redução de pobreza e ter uma distribuição mais equitativa. Nos anos 1950, nós éramos todos pobres e, portanto, havia uma distribuição bastante igualitária (de pobreza)", diz Panagariya.
Já Montek Singh Ahluwalia, que foi vice-presidente da comissão de planejamento no governo anterior, do partido do Congresso, tem visão oposta.
"É errado dizer que a desigualdade não importa. A desigualdade pode nutrir uma sensação de injustiça; quando isso acontece, o aumento da desigualdade é um problema mesmo que haja redução da pobreza", disse à Folha Ahluwalia, que foi diretor do escritório de avaliação independente do FMI.
O fato é que o país não tem gerado empregos suficientes para os cerca de 10 milhões de jovens que entram no mercado de trabalho todos os anos.
A taxa de desemprego está em 6,1%, a mais alta desde 1972. Comparada aos 12% registrados no Brasil, pode não parecer tão alta. Mas o índice era de apenas 2,2% em 2012.
Hoje, é particularmente alto entre jovens de 15 a 29 anos na área urbana, 18,7% dos homens dessa faixa etária e 27,2% das mulheres estão procurando emprego. Na zona rural, 18,7% dos homens e 13,6% das mulheres.
Neste país de 1,3 bilhão de habitantes, empregos formais são muito disputados. Em janeiro, por exemplo, 7.000 pessoas a maioria com nível superiorcandidataram-se a 13 vagas de garçom em um refeitório público em Maharashtra. Um concurso das Ferrovias Indianas para contratar 63 mil faxineiros, carregadores e porteiros atraiu 19 milhões de candidatos no fim do ano passado.
Há quem entreveja a possibilidade de uma vida melhor, só para retroceder tudo de novo.
Kaikasha Sheikh, 26, tirou toda a família da favela ao conseguir um emprego de comissária de bordo na Jet Airways.
Depois de dois anos, começou a engordar, por causa de hipotireoidismo, e a companhia a demitiu, alegando que ela não poderia mais voar por causa do problema de saúde.
Kaikasha está tentando arrumar outro emprego em companhia aérea, mas está difícil. Já se candidatou a vagas em todas, e nada. Vem fazendo bicos em eventos.
O pai não trabalha há anos. A irmã de 19 anos faz curso de esteticista e o irmão de 17 estuda animação. Kaikasha paga o aluguel, o curso da irmã, a conta de luz e a comida. Está endividada.
"Vai ser muito difícil voltar para Andheri (favela no norte de Mumbai), vi como a vida pode ser melhor fora da favela", diz.
A mãe dela pagou os estudos da filha em uma escola bilíngue (hindi e inglês) trabalhando como diarista. "Quando arrumei emprego, disse a ela, mãe, te devo tudo, você trabalhou duro para eu poder estudar, então, agora, você pode parar e descansar."
Ela tirava entre 45 mil e 60 mil rúpias (R$ 2.500 e R$ 3.300) por mês, dependendo de quanto voava. Queria fazer voos internacionais, mas, como morava na favela, seu pedido de passaporte foi rejeitado duas vezes.
Conseguiu mudar com a família para o apartamento de classe média baixa em que vive hoje, e finalmente tirou o passaporte. Mas foi demitida antes de realizar seu sonho de viajar para fora.
"Nós já temos uma desigualdade muito importante por causa do regime de castas", diz Rayaprol Nagaraj, professor de economia do Instituto de Pesquisas de Desenvolvimento Indira Gandhi, ligado ao Banco Central do país.
"A liberalização trouxe crescimento, mas apenas os trabalhadores mais qualificados se beneficiaram. Pusemos todos os ovos na mesma cesta, achando que seríamos uma potência do software, mas precisamos empregar milhões de pessoas."
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