sábado, 18 de julho de 2020

NÃO SE COMBATE COVID SEM AS CIÊNCIAS SOCIAIS

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A mortalidade por covid-19 no Estado de São Paulo está concentrada na periferia, tendo como fatores principais as condições precárias de saneamento, habitação e transporte coletivo. Foi o que afirmou o médico patologista Paulo Saldiva, durante o primeiro painel da Mini Reunião Anual Virtual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Com o tema “A Situação da Pandemia da Covid-19”, coordenado pela bioquímica Selma Bezerra Jeronimo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o painel teve como expositores, além de Saldiva, o pneumologista Marcelo Amato, da Universidade de São Paulo (USP), a biocientista Daniela Barretto Barbosa Trivella, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e o infectologista Estevão Portela Nunes, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Na linha de frente do enfrentamento à covid-19, estes profissionais apresentaram seus estudos e as últimas descobertas sobre a pandemia. Saldiva explicou que o perfil dos mais atingidos pela doença na cidade foi obtido em entrevistas com as famílias de 70 pessoas mortas, da qual foram feitas autópsias para pesquisa sobre o coronavírus.

As vítimas fatais, relatou, estavam cientes da necessidade de isolamento, mas não conseguiram “pagar o preço”, pois, ou não tinham condições de evitar o convívio com outras pessoas por habitarem casas pequenas, ou foram obrigados a frequentar o transporte público já que “têm que trabalhar de manhã para comprar o almoço”.

Ao fazer uma análise histórica, Saldiva frisou que a desigualdade e as condições de saneamento da população sempre estiveram na raiz da disseminação de epidemias no mundo. Ele explicou que os vírus sempre mutaram e se disseminaram devido ao adensamento populacional e aos fluxos migratórios. No entanto, alertou que o fenômeno está se acelerando. “De duas pandemias virais no século passado, passamos a duas por década, isso impõe desafios à ciência que são, primeiro, testagem e verificação de vírus em todos os países”, afirmou o médico.

Saldiva disse que, embora torça para que se encontre uma vacina, não será o suficiente, visto que algumas doenças para as quais já se havia encontrado vacina – como sarampo e poliomielite – voltaram a circular no mundo devido à falta de estrutura de saúde nos países onde elas são endêmicas e que tornaram a vacina ineficaz.

Apontou a influência dos aspectos culturais antivacina e anticiência – “o antavirus (sem ‘h’) da ignorância circula enormemente e é transmitido pelas redes sociais”, ironizou. Ele chamou a atenção para a necessidade de investimentos constantes no sistema de produção de vacinas que, no Brasil, foi em grande parte sucateado. Além da vacina que, para Saldiva, “não pode ser tratada como commodity, mas sim como um bem comum”, tem que haver maior cooperação internacional, financiamento e ocupação dos espaços de saúde que envolve as humanidades. “Não se controla as epidemias sem antropologia, história e urbanismo”, concluiu.

Medicamentos

A pesquisadora no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Daniela Barretto Barbosa Trivella, relatou a evolução dos estudos sobre o vírus que estão sendo desenvolvidos no Sirius, o maior acelerador de elétrons da América Latina, e as estratégias farmacológicas adotadas para combater os sintomas da covid-19. O acelerador, sediado no CNPEM em Campinas (SP) e vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), realizou semana passada os primeiros experimentos em uma nova estação de trabalho chamada Manacá, capaz de revelar detalhes da estrutura de moléculas biológicas, como proteínas virais.

“Uma das coisas importantes quando a gente se coloca frente a uma pandemia como essa é entender o máximo possível do agente causador da doença, como o ciclo de vida ocorre e como podemos, a partir dessa informação, racionalizar e interferir nesse ciclo de vida do vírus”, comentou Trivella.

Segundo ela, os estudos visam encontrar substâncias capazes de bloquear a maturação das proteínas que envolvem o material genético do vírus e que viabilizam sua interação com o corpo humano. “Isso nos dá a visão de raio x do vírus que traz nossa pesquisa para outro patamar”, comentou.

Enquanto as pesquisas tentam desvendar os mecanismos de ataque do coronavírus, a primeira estratégia da comunidade científica, segundo Trivella, tem sido o reposicionamento de fármacos, o que envolve medicamentos já aprovados para outras doenças, com eficácia comprovada em evitar a replicação dos vírus em células. Atualmente, de acordo com a pesquisadora, há dez substâncias em estudo no mundo, entre elas a cloroquina e a hidroxicloroquina. “A hidroxicloroquina foi retirado da iniciativa porque não vem mostrando bons resultados”, afirmou.

Ventiladores

O médico pneumologista Marcelo Brito, do HC/USP, explicou como um dos equipamentos mais importantes no combate à covid-19 e às demais síndromes respiratórias agudas graves (SRAG), os ventiladores, podem causar lesões posteriores. “Os pacientes sobreviventes da covid, que precisaram do auxílio de ventiladores, têm fibrose pulmonar muito extensa, seis meses depois”, relatou.

Para Brito, a pandemia trouxe desafios enormes, tanto para quem está fora, quanto para quem está dentro do ventilador porque a força que o paciente faz para respirar não é visível e pode causar lesões.

No entanto, afirmou, não é possível generalizar as respostas, elas têm que ser individualizadas de acordo com as condições do paciente. “Percebemos que quando a gente vai mapear os doentes, existe uma variabilidade individual tremenda”. Ele defendeu que se apliquem terapias adequadas às condições de cada pessoa, porque cada um tem uma fisiologia própria que deve ser respeitada, “mais ainda na covid-19, que é uma doença inflamatória na qual o erro do ventilador se soma à doença.”

Testagem

Ao analisar os testes existentes para detecção da doença, o infectologista Estevão Portela Nunes, da Fiocruz, disse que os mais utilizados, os PCR, têm mais eficácia nos primeiros dias da doença. “A partir do sétimo, oitavo dia, a gente tem dificuldade de ter o diagnóstico pelo PCR e vamos precisar de outras ferramentas para identificar os pacientes”.

Ele criticou a grande quantidade de testes sorológicos aprovados pela Anvisa hoje disponíveis no varejo e que, na visão dele, não trazem resultados confiáveis. “Fomos invadidos por diversos métodos, todos com sensibilidade não tão boa e que vai caindo com o tempo”, afirmou.

Assista ao debate na íntegra no canal do YouTube: 

Mini Reunião Anual da SBPC



sexta-feira, 10 de julho de 2020

SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA PROMOVEU MAIS UM ENCONTRO DO PROJETO EducAcão ComVIDA. EVENTO VOLTADO PARA A DIVULGAÇÃO E POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA NA REDE ESTADUAL DE ENSINO.


A Secretaria da Educação do Estado (SEC) promoveu, na quarta-feira (8), a live “Deu match na Ciência: experiências científicas da rede pública". O encontro virtual foi realizado dentro do projeto EducAção ComVIDA: arte, cultura, esporte, saúde, ciência e educação ambiental e saúde na escola, que visa estabelecer um diálogo semanal com a rede de Educação do Estado, envolvendo professores, estudantes, família e demais profissionais da área. 
 
No diálogo entre as participantes – as professoras orientadoras Rafaela Lima e Ana Paula Rocha e as estudantes pesquisadoras Luciele Santos, Tainá Pires e Julya Pires, sob a mediação da professora Tereza Cristina Fidelis –, agradeceram pelo incentivo à pesquisa que o Ciência na Escola, projeto de fomentação à Educação Científica na Educação Básica, desenvolvido pela SEC, promove na rede estadual de ensino. 

Estudantes de todo o Estado apresentam 240 projetos na Feira de ...
8ª FECIBA
 
Mediados pela professora Tereza Cristina Fidelis, do Complexo Integrado de Educação de Itabuna, a professora de Química, Rafaela Lima, do Colégio Estadual do Campo Hermínio Manoel de Jesus, no povoado de Bonfim, em Valença, ressaltou a importância do processo de pesquisa na aprendizagem e do papel transformador da Ciência em uma realidade. “O fazer pesquisa na Educação Básica é uma realidade em toda a rede estadual e me orgulho muito do fato de termos, na Bahia, uma grande produção científica dentro do ambiente escolar”. A partir da criação do Clube de Iniciação Científica na unidade escolar, contou, foi desenvolvido o projeto “Entre gotas e sabores”, que surgiu “a partir de um olhar transformador para aquela realidade em que aqueles estudantes estão inseridos” e levou a diversas feiras de Ciências.

8ª FECIBA
 
Uma das integrantes do projeto, a estudante Luciele Santos, 20, 3º ano, relatou que ela e os colegas desenvolveram, com o projeto “Entre gotas e sabores”, copos biodegradáveis para uso como suporte na plantação de sementes. Para fazer o produto, utilizaram como base a casca do aipim e o coração da banana. “Provamos que podemos transformar uma matéria-prima natural que iria ser jogada fora em plástico biodegradável. Enfrentamos muitas dificuldades, inclusive com a descrença de muita gente na nossa comunidade sobre o resultado da nossa pesquisa. Mas não desistimos, persistimos e conseguimos mostrar que podemos reutilizar, ser sustentáveis”. A estudante disse, ainda que, com o projeto, ela e os colegas aprenderam a reutilizar a água do ar-condicionado da escola para uso na horta escolar, por meio de sistema com canos de PVC.
 
Representando o Colégio Estadual João Vilas Boas, no município de Livramento de Nossa Senhora, as estudantes Tainá Pires e Julya Pires, ambas de 16 anos, 3º ano, falaram sobre a sua experiência com o projeto “Lima da pérsia como solução alternativa e natural para desinfecção da água”, com o qual ganharam três prêmios na 18ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE). “Quando a gente desenvolve uma pesquisa, nosso objetivo é buscar uma solução para um problema de uma comunidade. Descobrimos a lima da pérsia como uma solução alternativa que pode ser usada em comunidades carentes e sem acesso à água tratada, por conta de seu potencial antibacteriano”, explicou Tainá Pires. 
 
A professora orientadora de Tainá e Julya, Ana Paula Rocha, enfatizou sobre a experiência de fazer ciência na escola. “Desenvolvemos outros projetos, mas este foi destaque, ganhou prêmios, e as protagonistas são elas. Nosso objetivo é estimular os nossos estudantes para que, cada vez mais, participem de projetos de iniciação científica. Torcemos para que o Ciência na Escola incentive sempre, mais e mais, a pesquisa na Educação Básica”.

Com informações de:

quarta-feira, 8 de julho de 2020

ENEM OCORRERÁ EM JANEIRO DE 2021.

Atenção! Inep abre enquete para estudantes escolherem nova data do ...

Adiado por causa da pandemia do novo coronavírus, o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem 2020, será aplicado em janeiro e fevereiro de 2021. As datas definidas foram 17 e 24 de janeiro para a prova física e 31 de janeiro e 07 de fevereiro para a prova digital. Os resultados da prova sairão em 29 de março de 2021.

O anúncio foi feito na tarde desta quarta-feira, 8, pelo secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), Antonio Paulo Vogel, e pelo presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Alexandre Lopes.

A definição da data vem duas semanas após a divulgação da pesquisa com os inscritos. A maioria preferia que a prova acontecesse em março, mas a necessidade de ajuste do calendário com as universidades do país forçou a antecipação do exame.

A coletiva foi conduzida pelo secretário-executivo da pasta porque até agora o MEC segue ministro, após a saída de Abraham Weintraub em 18 de junho e a queda de Carlos Alberto Decotelli no último dia 30.

Exame

segunda-feira, 6 de julho de 2020

A PESTE NEGRA ESTÁ DE VOLTA?? COVID-19, NUVEM DE GAFANHOTO, PESTE BUBÔNICA. 2020 PRECISA SER DESINSTALADO!

Yersinia Pestis, a bactéria da peste bubônica - Getty Images
Yersinia Pestis, a bactéria da peste bubônicaImagem: Getty Images

Em meio à pandemia do coronavírus, que já matou pelo menos 533 mil pessoas segundo os dados oficiais disponibilizados pelos países, reaparece uma das doenças que mais preocuparam a humanidade durante sua história. Trata-se da peste bubônica, popularmente conhecida como peste negra, que devastou a Europa e a Ásia em vários períodos de surtos da doença.

Inicialmente, foram descobertos dois casos da doença na Mongólia. Após alguns dias, a China declarou que alguns casos foram identificados no norte do país, fazendo com que algumas cidades entrassem em isolamento social e dissessem que investigarão casos de mortes repentinas.

O comitê de saúde da cidade de Bayan Nur emitiu o alerta de terceiro nível, o segundo mais baixo de um sistema de quatro níveis.

Casos de peste não são incomuns na China, mas surtos têm se tornado cada vez mais raros. De 2009 a 2018, a China registrou 26 casos e 11 mortes.

Demais países da Ásia, como Rússia, Cazaquistão, Uzbequistão, Quirquistão, Tadjiquistão, Afeganistão, Paquistão, Índia, Nepal e Butão, também já estudam medidas para combater algum surto da doença.



Fontes:
Causa Operária


domingo, 5 de julho de 2020

ESTUDANTE DA CIDADE DE ELDORADO DO SUL-RS, É SELECIONADA PARA CURSO INTENSIVO NA NASA-EUA.

Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal


Com 17 anos, Isadora Stefanhak Costa Arantes acumula títulos em competições na área de exatas.



Com voz tranquila e fala pausada, com a certeza de quem sabe o caminho que pretende trilhar, a estudante Isadora Stefanhak Costa Arantes, 17 anos, conta o feito grandioso que conquistou: a aprovação em um curso promovido pela Nasa, nos EUA. O programa destinado a jovens de até 18 anos se chama Advanced Space Academy e é uma espécie de imersão no treinamento dado a astronautas.  

Durante sete dias, ela aprenderá noções mais profundas de engenharia aeroespacial, ou seja, será instruída a montar os robôs exploratórios que andam na Lua, satélites entre outros.  

— Minha expectativa está super alta, porque vou viver a rotina dos astronautas. Vou acordar super cedo para ter as aulas e almoçar com eles — conta a jovem que terá que arcar com os custos da capacitação.  

Moradora de Eldorado do Sul, na Região Metropolitana da Capital, Isadora estuda no Colégio Cenecista Santa Bárbara, em Arroio dos Ratos. A secundarista é uma curiosa por natureza. Esse interesse pelo mundo das ciências exatas pode ser explorado com maior afinco assim que ela botou os pés no Ensino Médio. 

Logo no 1° ano, pediu para a professora de ciências da natureza, Ester Dal Bem, inscrever o colégio nas Olimpíadas de Ciências, de Astronomia e de Foguetes. Voltando de uma destas competições, em 2018, ela foi incentivada pela mestra a procurar cursos e capacitações na área: 

— Ela sempre soube que tenho interesse em me tornar Astrofísica, Astrobióloga ou estudar Engenharia Espacial. No final do ano passado, achei essa seleção que a Nasa estava fazendo. O processo é rigoroso. Eles pediram três cartas em inglês, além disso, coloquei os projetos científicos que havia feito, os trabalhos voluntários que exerço e enviei dez cartas de recomendação. Chegou um momento em que eles não me deixavam mais anexar meus certificados na plataforma. Meu currículo chegou a 103 páginas.  

Entre os documentos anexados por Isadora estão: as duas medalhas de ouro na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, o primeiro lugar nas Olimpíadas de Ciências Exatas e as diversas participações na Jornada e na Mostra Brasileira de Foguetes, bem como nas competições nacionais de Matemática e Biologia.  

As aulas do curso, que acontecerão no Estado norte-americano do Alabama, tinham o início marcado para meados de julho. Contudo, em função da pandemia do coronavírus, os encontros foram postergados para 2021, mas sem data definida. Apesar da felicidade da conquista, a estudante se mostra um pouco insegura, porque não é possível projetar se, até lá, a entrada de brasileiros em solo estadunidense será permitida. Desde maio, esse trânsito está proibido por que o Brasil se tornou um dos epicentros da pandemia.  

Incentivo de todos os lados 

Otaciano Arantes Filho, 57 anos, é o principal nome envolvido nessa história que aproximou a vida de Isadora da astrofísica. Apesar de ser funcionário público, ele sempre conversou com a filha sobre o assunto e acabou se tornado um grande incentivador para ela se interessar pelo tema e carreira.  

Já aos 13 anos, ela acabou pedindo sugestão de livros que abordassem o assunto em um grupo de Facebook que abordava a temática. Ali ela conheceu o professor Alberto de Mesquita, mestre em Astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conta a garota: 

— Ele entrou em contato comigo, via inbox, e passou a me oferecer tutoria online e gratuita, já que é muito raro gurias jovens se interessarem por astrofísica. Ele me ajuda muito com listas de exercícios, principalmente de Matemática e com dicas de como montar foguetes.  

Os amigos da escola também são importantes. Juntos, oito colegas criaram um grupo de foguetes, outro espaço onde a secundarista da vazão ao interesse pelos astros, sob a supervisão da professora Ester. 

Não escondendo o orgulho que sente da filha, a funcionária pública Giselda Stefanhak destaca a determinação de Isadora: 

— Eu fico sem palavras, porque ela sempre foi muito determinada. A gente só apoia, somos os facilitadores para as decisões e caminhos que ela deseja tomar. Por isso, demos de presente para ela, há uns quatro anos, o telescópio. Ela nos pediu e falou que era importante para observar os fenômenos no céu. Somos os incentivadores dela e dá orgulho ver que ela abraça todas as oportunidades.  


GAÚCHAZH

BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS: A UNIVERSIDADE PÓS-PANDÊMICA.

Poucas instituições estarão tão ameaçadas. Mas nenhuma será tão importante para ajudar as sociedades pensar um mundo regido por novas lógicas. Mais: para transformar, a universidade precisará revolucionar-se. Eis algumas pistas

Boaventura de Sousa Santos

Por Boaventura de Sousa Santos

Para compreendermos o que pode vir a passar-se com a universidade é necessário lembrar os ataques principais de que era alvo a moderna universidade pública (UP) antes da pandemia. Foram dois os ataques globais. Provinham de duas forças que se podem sintetizar em dois conceitos: capitalismo universitário e ultradireita ideológica. O primeiro ataque intensificou-se nos últimos quarenta anos com a consolidação do neoliberalismo como lógica dominante do capitalismo global. A universidade passou a ser concebida como área de investimento potencialmente lucrativo. Iniciou-se então um processo multifacetado que incluiu, entre outras, as seguintes medidas [que variaram de país para país]: permitir e promover a criação de universidades privadas e permitir-lhes acesso a fundos públicos; invocar a crise financeira do Estado para sub-financiar as UPs; degradar os salários dos professores e flexibilizar a sua ligação à UP de modo a poderem dar aulas nas universidades privadas, promovendo assim uma transferência do investimento público na formação dos professores para o setor privado; instituir o pagamento de taxas onde antes o ensino era gratuito e incentivar as UPs a obter receitas próprias; introduzir a lógica mercantil na gestão das UPs, o que foi feito em diferentes fases: as UPs devem ser mais relevantes para a sociedade, sobretudo formando pessoal qualificado para o mercado; o estatuto de professor e de investigador deve ser flexibilizado (quer dizer: precarizado), acompanhando a lógica global do mercado de trabalho; os estudantes devem ser vistos como consumidores de um serviço e os professores devem ser sujeitos a critérios globais de produtividade; as UPs devem ser geridas como uma empresa como qualquer outra; as UPs devem integrar sistemas de ranking global para permitir aferir “objetivamente” o valor mercantil dos serviços universitários. Na Europa, e apesar de toda a retórica em contrário, o principal objetivo do processo de Bolonha foi consolidar a nível europeu o modelo de universidade neoliberal. No caso português, este processo envolveu o fim da eleição democrática dos reitores, talvez a única medida fatalmente errada do saudoso ministro Mariano Gago.

As razões mais profundas do ataque do neoliberalismo às UPs residem em que estas tinham sido tradicionalmente as formuladoras de projetos nacionais, projetos sem dúvida elitistas e por vezes altamente excludentes (racistas, colonialistas, sexistas) mas que procuravam dar consistência à economia capitalista nacional e à sociedade em que ela assentava. Acontece que para o neoliberalismo a ideia de projeto nacional, tal como a ideia de capitalismo nacional, era anátema. O objetivo era a globalização das relações econômicas, em termos de livre circulação de capitais e de bens e serviços (não de trabalhadores). Em consequência de tudo isto, as UPs estavam antes da pandemia muito desfiguradas, sem qualquer visão de missão social, a braços com crises financeiras crônicas. Em geral, os reitores refletiam este panorama, gestores de crises financeiras, incapazes de pôr em prática ideias inovadoras mesmo se as tivessem, o que passou a ser raro, sobretudo onde deixaram de ser eleitos pela comunidade universitária.

O segundo ataque, mais recente, veio da direita ultraliberal ideológica, portadora de uma ideologia extremamente conservadora, quando não reacionária, por vezes formulada em termos religiosos. Esta direita, apoiada socialmente por grupos radicais, de extrema-direita, de tipo neo-nazi ou de proselitismo religioso. Esta ultra-direita chegou ao governo em diferentes países, da Hungria à Turquia, do Brasil à Índia, da Polónia aos EUA. Mas em alguns países, como, por exemplo, nos EUA, vinha há muito influenciando a política universitária, ao nível dos estados da federação e a partir das estruturas de governação das UPs. Este ataque, apesar de altamente ideológico, apresentou-se como anti-ideológico e foi formulado de duas formas principais. A primeira foi a de que todo o pensamento crítico, livre e independente visa subverter as instituições e desestabilizar a ordem social. A UP é o ninho onde se alimentam os esquerdistas e se propaga o “Marxismo cultural”, uma expressão usada pelo Nazismo para demonizar os intelectuais de esquerda, muitos dos quais eram judeus. A segunda tem sido particularmente dominante na Índia e concebe como ideologia tudo o que não coincide com entendimento político conservador do Hinduísmo político. Tanto o iluminismo eurocêntrico como o Islã são considerados perigosamente subversivos. Noutros contextos, é o Islã político que faz o papel de guardião ideológico contra as ideologias.

Os dois ataques, apesar de diferentes na formulação e na base de sustentação, são convergentes no mesmo objetivo: impedir que a UP continue a produzir conhecimento crítico, livre, plural e independente. Muitas das críticas anti-ideológicas usaram a crise financeira das UPs para reduzir o ensino às matérias básicas, supostamente isentas de ideologia e mais úteis para o mercado de trabalho. Muitas das matérias ditas ideológicas eram dadas em cursos optativos, em departamentos de literatura e de filosofia ou em departamentos recém-criados. O ataque consistiu em eliminar as opções e fechar esses departamentos por supostas razões financeiras.

Durante a pandemia, estes ataques atenuaram-se e as UPs centraram as suas prioridades em adaptar-se às mudanças causadas pela pandemia. Muitas viram a sua visibilidade pública aumentar graças ao protagonismo dos cientistas com investigação em áreas relevantes para a covid-19. O período que se vai seguir não será um tempo livre de pandemia e com a UP a regressar rapidamente ao seu normal. Vai ser um período de pandemia intermitente. Para projetar o que está em causa no próximo período há que responder a várias perguntas.

Como se comportou a universidade durante a pandemia? É muito difícil generalizar, mas pode-se dizer que se aprofundou o centralismo e não se alterou um milímetro a lógica burocrática, que domina hoje nas relações intra-universitárias; cuidou-se pouco dos estudantes fora dos breves momentos online ou a braços com as exclusões que suposta cidadania digital provocou; os professores que dedicaram mais tempo aos estudantes fizeram-no por iniciativa própria e espírito de missão; descuidou-se totalmente a situação dos professores, enfrentando alterações na vida familiar, recorrendo a tecnologias de ensino com que a maioria estava pouco familiarizada, com uma carga burocrática imensa, com a vontade de inovar, quase por necessidade ante os desafios da pandemia, mas barrados pelo muro de burocracia. Em suma, a pandemia veio agravar as tendências de degradação da universidade que já se vinham a notar há muito.

Como vai a UP posicionar-se na disputa da narrativa? Logo que passe a fase aguda da pandemia vai haver um conflito ideológico e político sobre a natureza da crise e os caminhos de futuro. A especificidade da UP é ter que responder a esta pergunta a dois níveis: ao nível da sociedade em geral e ao nível da universidade em especial. Desenham-se três cenários: vai tudo voltar ao normal rapidamente; vai haver mudanças mínimas para que tudo fique na mesma; a pandemia é a oportunidade para pensar numa alternativa ao modelo de sociedade e de civilização em que temos vivido, assente numa exploração sem precedentes dos recursos naturais que, em conjunto com a iminente catástrofe ecológica, vai lançar-nos num inferno de pandemias recorrentes. Como vai a UP expor os cenários e posicionar-se perante eles?

Como vai responder aos ataques que precederam a pandemia? O modo como a UP interpretar a crise e lhe responder vai ser decisivo para ela se posicionar perante os dois ataques precedentes: o neoliberalismo universitário e a ultra-direita ideológica. Tenho para mim que a UP só se defenderá eficazmente deles na medida em que se centrar no terceiro cenário. Não é apenas a instituição que melhor pode equacionar o terceiro cenário e caracterizar o período de transição que ele implica. É a única instituição que o pode fazer. Se ela o não fizer, será devorada pela vertigem neoliberal que agora se vê fortalecida pela orgia tecnológica de zoom, streamyard, webex, webinar, etc. Virão os vendedores do primeiro e do segundo cenários. E, para eles, a UP do futuro é online: imensas poupanças em pessoal docente, técnico, e em instalações; modo expedito de acabar com matérias “ideológicas” e com os protestos universitários (não há estátuas online); eliminação de processos deliberativos presenciais disfuncionais. Finalmente, o fim da crise financeira. Mas também o fim da universidade como a conhecemos.

Como vai a UP lutar pelo seu futuro? Como disse, o futuro da UP está vinculado à credibilização do terceiro cenário. A estratégia pode resumir-se nas seguintes palavras-chaves: democratizar, desmercantilizar, descolonizar, despatriarcalizar.

Democratizar. A democratização da UP tem múltiplas dimensões. A UP tem de democratizar a eleição dos seus reitores e dirigentes. Instituições não democráticas para eleições indiretas estão historicamente condenadas. São, no pior dos casos, antros de compadrio e cooptação e, no melhor, espelhismos de irrelevância. Só a comunidade universitária no seu conjunto tem legitimidade para eleger os reitores e demais dirigentes. A UP tem de democratizar as suas relações com a sociedade. A UP produz conhecimento válido que é tanto mais precioso quanto melhor souber dialogar com os outros saberes que circulam na sociedade. Uma UP encerrada em si é um instrumento fácil dos poderes econômicos e políticos que a querem pôr ao seu serviço. A UP tem de democratizar as suas relações com os estudantes que uma pedagogia retrógrada e rançosa ainda vê como ignorantes vazios onde os professores enfiam o recheio do conhecimento. A verdade é que se aprende-com e se ensina-com. Nada é unilateral, tudo é recíproco.

Desmercantilizar. As UPs têm de passar a avaliar os seus docentes por outros critérios de produtividade que não excluam a responsabilidade social da universidade, sobretudo no domínio da extensão universitária. Não podem privilegiar as ciências e a investigação que geram patentes, mas antes, a ciência que contribui para o bem comum de toda a população e cria cidadania. Neste domínio, as humanidades, as artes e as ciências sociais voltarão a ter o destaque que já tiveram. Os estudantes nacionais e os que vêm [em Portugal] das antigas colônias não devem pagar propinas. Não podem cobiçar estudantes estrangeiros na lógica de caça-mensalidades. Esta é uma estratégia central para a democratização analisada acima e para a descolonização analisada a seguir.

Descolonizar. As UPs europeias e de inspiração eurocêntrica nasceram ou prosperaram com o colonialismo e continuam hoje a ensinar e legitimar a história dos vencedores da expansão europeia. São cúmplices do epistemicídio que acompanhou o genocídio colonial. As estátuas (e amanhã os edifícios, os museus, os arquivos e coleções coloniais) são os alvos errados de muita justa revolta. O importante é que o poder que elas representam seja deslegitimado e contextualizado na aprendizagem universitária. Por isso têm os curriculos de ser descolonizados. Não se trata de destruir conhecimento, trata-se antes de acrescentar conhecimento para que se torne evidente que o conhecimento dominante é muitas vezes uma ignorância especializada e intencional. As UPs têm de iniciar com urgência políticas de ação afirmativa para uma maior justiça cognitiva e etno-racial, tanto entre estudantes como entre professores.

Despatriarcalizar. Em muitas universidades as mulheres são a maioria, mas os lugares de governo administrativo e científico continuam dominados por homens. Os curriculos continuam a ser misóginos e cheios de preconceitos sexistas. Onde estão as cientistas, as artistas, as escritoras, as lutadoras, as heroínas? E as relações entre o pessoal docente, técnico e discente também não estão livres dos mesmos preconceitos. Estas e muitas outras iniciativas que emergirão dos processos de democracia universitária constituem um caderno de encargos pesado, mas a alternativa é a universidade não ter futuro.

Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale e Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

Outras Palavras

RENATO FEDER RECUSA CONVITE PARA O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. ESSE NEM ENTROU E JÁ SAIU. QUEM VAI NESSA BARCA???


“Fiquei muito honrado com o convite, que coroa o bom trabalho feito por 90 mil profissionais da Educação do Paraná; Agradeço ao presidente Jair Bolsonaro, por quem tenho grande apreço, mas declino do convite recebido. Sigo com o projeto no Paraná, desejo sorte ao presidente e uma boa gestão no Ministério da Educação.”