Na nova edição do Jornal da Ciência Especial, estudos demonstram que para além do desenvolvimento educacional, científico, tecnológico e em inovação, o investimento governamental no ensino superior traz elevados retornos econômico-financeiros para a sociedade.
Para cada R$ 1,00 aplicado nas três universidades
públicas paulistas – USP, Unesp e Unicamp, a sociedade tem um retorno de 2,78%
ao ano. A Universidade de Brasília (UnB) gerou 44.998 empregos na capital do
Distrito Federal e proporcionou renda de R$ 2,4 bilhões, o equivalente a 1% do
Produto Interno Bruto (PIB) local em 2019. Na Universidade Federal de Itajubá
(Unifei) a cada R$ 1,00 que o governo aplica, a sociedade recebe R$ 3,28 em
forma de acréscimo de renda para os alunos egressos.
Estes são alguns dos principais números levantados por um
grupo de pesquisadores que têm se dedicado a medir o impacto econômico das
universidades públicas. Os estudos foram realizados no período 2017- 19, alguns
foram atualizados recentemente, mas todos chegam à mesma conclusão: para além
do desenvolvimento educacional, científico, tecnológico e em inovação, o
investimento governamental no ensino superior traz elevados retornos
econômico-financeiros para a sociedade.
No artigo sobre as Instituições de Ensino Superior (IES)
de São Paulo, intitulado “As três grandes universidades públicas paulistas
valem o que custam? ” (2020), os pesquisadores Carlos Azzoni, Moisés Vassallo e
Eduardo Haddad focaram na produtividade dos egressos em comparação com
profissionais formados por outras IES e compararam esse diferencial com o
investimento feito pela sociedade para realizá-lo.
O estudo consistiu em localizar no mercado de trabalho em
2018 os formados entre 2005 e 2015 pelas três universidades, e comparar seus
níveis salariais com os dos demais profissionais de nível superior. A
comparação de salários é equivalente à produtividade, pela lógica de que
nenhuma empresa pagará salários superiores à contribuição que o empregado traz
para o seu resultado. Os pesquisadores encontraram que egressos com graduação
em uma das três IES paulistas teriam em 2018 níveis de produtividade 62%
maiores em comparação a egressos de outras IES. Em valores, a renda dos
egressos de um ano de formados ao longo de suas carreiras equivalia a um total
de R$ 12,6 bilhões, comparado a R$ 10,98 bilhões do orçamento somado das
instituições.
Para a UnB e a Unifei, foram calculados os impactos da
ativação econômica regional associados à presença da IES na cidade. “Muitas
vezes, principalmente em cidades menores, se fala ‘esses alunos vêm para cá só
para fazer baderna’. E aí você traz números para discussão e mostra quanto do
PIB da cidade é movimentado por esses estudantes, quanto gera de emprego”, diz
o professor Moisés Diniz Vassalo, do Instituto de Engenharia de Produção e
Gestão (IEPG) da Unifei. Economista de formação, ele é um dos pioneiros neste
tipo de estudo e autor ou coautor em outras pesquisas sobre o tema.
O primeiro levantamento sobre a Unifei foi instigado pelo
reitor à época que pretendia responder a um questionamento que se levantava na
sociedade – e se disseminou durante o governo Bolsonaro – sobre a justificativa
de se manter universidades federais com dinheiro do contribuinte.
“Aqui (em Itajubá, MG), o número é assustador: são 17%
dos empregos da cidade gerados pela Unifei”, frisou Vassalo. “Em termos de
renda, é um pouco menos, em torno de 4,5% do PIB. Mesmo porque, muitos dos
empregos são de baixa renda, serviços domésticos que são contratados, caixa de
supermercado, lanchonete, cozinheira, muito embora traga também um ecossistema
de inovação com empregos de alta qualificação e salários, estes em menor
número”, completou.
Um segundo aspecto é o que os usuários da universidade
consomem no município, movimentando toda a cadeia de produção local, sejam
alimentos, serviços públicos e privados, transportes, entretenimento ou
vestuário. Os produtores locais, por sua vez, têm seus fornecedores em outros
municípios ou estados e assim por diante, ativando, portanto, toda a economia
da região e do País.
A questão da empregabilidade também é forte na UnB, com
os estudos apontando a geração de quase 45 mil postos de trabalho na capital
federal, diretos, indiretos e induzidos. Isso significa que a taxa de desemprego
local subiria de 13,2% para 16,9% se a UnB não existisse, considerando os dados
de 2019.
Vassalo já tinha experiência neste tipo de estudo de
impacto econômico, tendo analisado desde jogos de futebol, Fórmula 1 e até
investimentos no setor petrolífero. A abordagem no caso das universidades é
basicamente a mesma: entender como a instituição movimenta a economia da
cidade. “A universidade traz alunos de fora, esses alunos deixam de gastar em
seus locais de origem, e gastam aqui. Muito dinheiro é despejado na economia da
cidade com a folha de pagamentos, servidores, técnicos administrativos,
professores, custeio, investimento”, explicou.
A metodologia utiliza uma técnica que se chama análise de
insumo-produto interregional, em que é feito um mapeamento da inter-relação
entre setores econômicos da cidade e desta com os de outras regiões. Os dados
são provenientes da chamada “matriz insumo-produto”, um indicador calculado e
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) para o
Brasil como um todo e regionalizado pelo Núcleo de Economia Regional e Urbana
da USP.
Em estudo similar ao realizado para as três universidades
estaduais paulistas, a partir da RAIS – registro de todos os trabalhadores
formais do Brasil –, os pesquisadores identificaram em Itajubá que nos dez anos
anteriores, um egresso da Unifei tinha um salário médio da ordem de R$ 8,4 mil
mensais, comparado a R$ 5 mil da média dos trabalhadores brasileiros com ensino
superior. Ou seja, a Unifei gera uma renda de R$ 3,4 mil mensais a mais para
seus formandos. Esse valor a mais é o diferencial por um ensino que
proporcionou àquele egresso um ganho de produtividade reconhecido pelo mercado,
que o coloca em vagas onde ele produz mais do que isso, explica Vassallo.
Esse diferencial será carregado ao longo da vida desse
trabalhador que, por hipótese, se forma com 23 anos (a idade média é entre 22 e
25 anos dos formados naquela IES) e vai se aposentar com 63 anos (algo entre 62
e 65). “Ele vai ficar 40 anos trabalhando, ganhando esses R$ 3,4 mil a mais.
Isso é geração de renda por ter sido mais produtivo, o que ele vende vale mais,
porque o trabalho dele é mais qualificado”, acrescenta.
O estudo de Vassalo projetou a geração de renda adicional
dos egressos pelo período de vida economicamente ativa média da população
brasileira, trazendo o valor presente e multiplicando pelo número de formados
na Unifei anualmente. O cálculo levou a um valor estimado de R$ 700 milhões
que, considerando uma carga tributária para esta faixa de renda em torno de
30%, correspondem a pouco mais de R$ 210 milhões, que é próximo do valor do
orçamento anual da Unifei (na época do estudo).
Empregabilidade da
pós-graduação
Em se tratando de pós-graduação das IES públicas, os
resultados em termos de empregabilidade também são significativos, atesta o
biólogo Carlos Frederico Martins Menck, professor do Instituto de Ciências
Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Embora não tivesse um estudo
específico, Menck garante que há dados concretos nas estatísticas da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação
vinculada ao Ministério da Educação (MEC) que comprovam o alto retorno em
geração de emprego e renda.
Como avaliador dos Programas de PósGraduação (PPG) da
área de Biologia, Menck contou ter ficado surpreso com o percentual de egressos
que saíam empregados e trabalhando em área relacionada de todos os PPG: mais de
60%. “O ‘pior’ dos programas era 60 a 65%” relatou.
A Capes não tem divulgado estes dados, mas Menck – que
teve contato com eles em seu trabalho de avaliação – afirma que também são
fundamentados na RAIS e mostram “claramente” que, em todos os programas de
pós-graduação, as pessoas que conseguem concluí-los saem com salários “bem
maiores que a média do mercado”. “Óbvio que dependendo da área. Por exemplo,
computação é mais, biologia, é menos”, acrescenta. Para ele, o elevado nível de
empregabilidade de pós-graduados mostra que “o sistema funciona”.
A capacidade de geração de empregos da pós-graduação tem
acompanhado um processo de expansão e descentralização dos programas que teve
um ápice na primeira década dos anos 2000 e prosseguiu mesmo a partir de 2015,
quando o orçamento federal para os PPGs começou a ser drasticamente cortado. De
acordo com Menck, embora o número de PPGs ainda seja maior no Sul e Sudeste do
País, ele vem aumentando mais nas outras regiões. “A pós-graduação está indo
para o interior, para os estados menos favorecidos”, afirmou.
Outro dado relevante é que o número de pós-graduações de
excelência – notas 6 e 7, que são nível internacional –, está caminhando também
para o Norte-Nordeste (veja infográfico na página 6). “Tínhamos apenas uma
pós-graduação nota 6 em 2007 na Região Norte. Em 2017, dez anos depois, a gente
tem 7 no Norte. São quatro no Pará, 3 no Amazonas. Certamente esses números vão
aumentar”, diz, otimista, o professor do ICB-USP. Os dados devem ser divulgados
ainda em 2022.
No período analisado, os PPGs sofreram fortes restrições
orçamentárias, seja no financiamento das IES, seja nas bolsas de estudos que
acumulam mais de 60% de defasagem desde 2013. Apesar disso, os programas
avançaram. Menck dá uma explicação: “A minha interpretação é um pouco da
inércia de um crescimento que vinha de antes”, completou. Ele acredita que, por
causa da pandemia, muitos projetos foram “tirados da gaveta” e resultaram em
produção científica. “Os efeitos das restrições orçamentárias, no entanto,
devem de fato aparecer nas análises a partir de 2021”. (JR)
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