terça-feira, 31 de janeiro de 2023

O RETORNO ECONÔMICO DO ENSINO SUPERIOR. ESTUDOS DEMONSTRAM QUE PARA ALÉM DO DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, CIENTÍFICO, TECNOLÓGICO E EM INOVAÇÃO, O INVESTIMENTO GOVERNAMENTAL NO ENSINO SUPERIOR TRAZ ELEVADOS RETORNOS ECONÔMICO-FINANCEIROS PARA A SOCIEDADE

Na nova edição do Jornal da Ciência Especial, estudos demonstram que para além do desenvolvimento educacional, científico, tecnológico e em inovação, o investimento governamental no ensino superior traz elevados retornos econômico-financeiros para a sociedade.

Para cada R$ 1,00 aplicado nas três universidades públicas paulistas – USP, Unesp e Unicamp, a sociedade tem um retorno de 2,78% ao ano. A Universidade de Brasília (UnB) gerou 44.998 empregos na capital do Distrito Federal e proporcionou renda de R$ 2,4 bilhões, o equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) local em 2019. Na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) a cada R$ 1,00 que o governo aplica, a sociedade recebe R$ 3,28 em forma de acréscimo de renda para os alunos egressos.

Estes são alguns dos principais números levantados por um grupo de pesquisadores que têm se dedicado a medir o impacto econômico das universidades públicas. Os estudos foram realizados no período 2017- 19, alguns foram atualizados recentemente, mas todos chegam à mesma conclusão: para além do desenvolvimento educacional, científico, tecnológico e em inovação, o investimento governamental no ensino superior traz elevados retornos econômico-financeiros para a sociedade.

No artigo sobre as Instituições de Ensino Superior (IES) de São Paulo, intitulado “As três grandes universidades públicas paulistas valem o que custam? ” (2020), os pesquisadores Carlos Azzoni, Moisés Vassallo e Eduardo Haddad focaram na produtividade dos egressos em comparação com profissionais formados por outras IES e compararam esse diferencial com o investimento feito pela sociedade para realizá-lo.

O estudo consistiu em localizar no mercado de trabalho em 2018 os formados entre 2005 e 2015 pelas três universidades, e comparar seus níveis salariais com os dos demais profissionais de nível superior. A comparação de salários é equivalente à produtividade, pela lógica de que nenhuma empresa pagará salários superiores à contribuição que o empregado traz para o seu resultado. Os pesquisadores encontraram que egressos com graduação em uma das três IES paulistas teriam em 2018 níveis de produtividade 62% maiores em comparação a egressos de outras IES. Em valores, a renda dos egressos de um ano de formados ao longo de suas carreiras equivalia a um total de R$ 12,6 bilhões, comparado a R$ 10,98 bilhões do orçamento somado das instituições.

Para a UnB e a Unifei, foram calculados os impactos da ativação econômica regional associados à presença da IES na cidade. “Muitas vezes, principalmente em cidades menores, se fala ‘esses alunos vêm para cá só para fazer baderna’. E aí você traz números para discussão e mostra quanto do PIB da cidade é movimentado por esses estudantes, quanto gera de emprego”, diz o professor Moisés Diniz Vassalo, do Instituto de Engenharia de Produção e Gestão (IEPG) da Unifei. Economista de formação, ele é um dos pioneiros neste tipo de estudo e autor ou coautor em outras pesquisas sobre o tema.

O primeiro levantamento sobre a Unifei foi instigado pelo reitor à época que pretendia responder a um questionamento que se levantava na sociedade – e se disseminou durante o governo Bolsonaro – sobre a justificativa de se manter universidades federais com dinheiro do contribuinte.

“Aqui (em Itajubá, MG), o número é assustador: são 17% dos empregos da cidade gerados pela Unifei”, frisou Vassalo. “Em termos de renda, é um pouco menos, em torno de 4,5% do PIB. Mesmo porque, muitos dos empregos são de baixa renda, serviços domésticos que são contratados, caixa de supermercado, lanchonete, cozinheira, muito embora traga também um ecossistema de inovação com empregos de alta qualificação e salários, estes em menor número”, completou.

Um segundo aspecto é o que os usuários da universidade consomem no município, movimentando toda a cadeia de produção local, sejam alimentos, serviços públicos e privados, transportes, entretenimento ou vestuário. Os produtores locais, por sua vez, têm seus fornecedores em outros municípios ou estados e assim por diante, ativando, portanto, toda a economia da região e do País.

A questão da empregabilidade também é forte na UnB, com os estudos apontando a geração de quase 45 mil postos de trabalho na capital federal, diretos, indiretos e induzidos. Isso significa que a taxa de desemprego local subiria de 13,2% para 16,9% se a UnB não existisse, considerando os dados de 2019.

Vassalo já tinha experiência neste tipo de estudo de impacto econômico, tendo analisado desde jogos de futebol, Fórmula 1 e até investimentos no setor petrolífero. A abordagem no caso das universidades é basicamente a mesma: entender como a instituição movimenta a economia da cidade. “A universidade traz alunos de fora, esses alunos deixam de gastar em seus locais de origem, e gastam aqui. Muito dinheiro é despejado na economia da cidade com a folha de pagamentos, servidores, técnicos administrativos, professores, custeio, investimento”, explicou.

A metodologia utiliza uma técnica que se chama análise de insumo-produto interregional, em que é feito um mapeamento da inter-relação entre setores econômicos da cidade e desta com os de outras regiões. Os dados são provenientes da chamada “matriz insumo-produto”, um indicador calculado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) para o Brasil como um todo e regionalizado pelo Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP.

Em estudo similar ao realizado para as três universidades estaduais paulistas, a partir da RAIS – registro de todos os trabalhadores formais do Brasil –, os pesquisadores identificaram em Itajubá que nos dez anos anteriores, um egresso da Unifei tinha um salário médio da ordem de R$ 8,4 mil mensais, comparado a R$ 5 mil da média dos trabalhadores brasileiros com ensino superior. Ou seja, a Unifei gera uma renda de R$ 3,4 mil mensais a mais para seus formandos. Esse valor a mais é o diferencial por um ensino que proporcionou àquele egresso um ganho de produtividade reconhecido pelo mercado, que o coloca em vagas onde ele produz mais do que isso, explica Vassallo.

Esse diferencial será carregado ao longo da vida desse trabalhador que, por hipótese, se forma com 23 anos (a idade média é entre 22 e 25 anos dos formados naquela IES) e vai se aposentar com 63 anos (algo entre 62 e 65). “Ele vai ficar 40 anos trabalhando, ganhando esses R$ 3,4 mil a mais. Isso é geração de renda por ter sido mais produtivo, o que ele vende vale mais, porque o trabalho dele é mais qualificado”, acrescenta.

O estudo de Vassalo projetou a geração de renda adicional dos egressos pelo período de vida economicamente ativa média da população brasileira, trazendo o valor presente e multiplicando pelo número de formados na Unifei anualmente. O cálculo levou a um valor estimado de R$ 700 milhões que, considerando uma carga tributária para esta faixa de renda em torno de 30%, correspondem a pouco mais de R$ 210 milhões, que é próximo do valor do orçamento anual da Unifei (na época do estudo).

Empregabilidade da pós-graduação

Em se tratando de pós-graduação das IES públicas, os resultados em termos de empregabilidade também são significativos, atesta o biólogo Carlos Frederico Martins Menck, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Embora não tivesse um estudo específico, Menck garante que há dados concretos nas estatísticas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC) que comprovam o alto retorno em geração de emprego e renda.

Como avaliador dos Programas de PósGraduação (PPG) da área de Biologia, Menck contou ter ficado surpreso com o percentual de egressos que saíam empregados e trabalhando em área relacionada de todos os PPG: mais de 60%. “O ‘pior’ dos programas era 60 a 65%” relatou.

A Capes não tem divulgado estes dados, mas Menck – que teve contato com eles em seu trabalho de avaliação – afirma que também são fundamentados na RAIS e mostram “claramente” que, em todos os programas de pós-graduação, as pessoas que conseguem concluí-los saem com salários “bem maiores que a média do mercado”. “Óbvio que dependendo da área. Por exemplo, computação é mais, biologia, é menos”, acrescenta. Para ele, o elevado nível de empregabilidade de pós-graduados mostra que “o sistema funciona”.

A capacidade de geração de empregos da pós-graduação tem acompanhado um processo de expansão e descentralização dos programas que teve um ápice na primeira década dos anos 2000 e prosseguiu mesmo a partir de 2015, quando o orçamento federal para os PPGs começou a ser drasticamente cortado. De acordo com Menck, embora o número de PPGs ainda seja maior no Sul e Sudeste do País, ele vem aumentando mais nas outras regiões. “A pós-graduação está indo para o interior, para os estados menos favorecidos”, afirmou.

Outro dado relevante é que o número de pós-graduações de excelência – notas 6 e 7, que são nível internacional –, está caminhando também para o Norte-Nordeste (veja infográfico na página 6). “Tínhamos apenas uma pós-graduação nota 6 em 2007 na Região Norte. Em 2017, dez anos depois, a gente tem 7 no Norte. São quatro no Pará, 3 no Amazonas. Certamente esses números vão aumentar”, diz, otimista, o professor do ICB-USP. Os dados devem ser divulgados ainda em 2022.

No período analisado, os PPGs sofreram fortes restrições orçamentárias, seja no financiamento das IES, seja nas bolsas de estudos que acumulam mais de 60% de defasagem desde 2013. Apesar disso, os programas avançaram. Menck dá uma explicação: “A minha interpretação é um pouco da inércia de um crescimento que vinha de antes”, completou. Ele acredita que, por causa da pandemia, muitos projetos foram “tirados da gaveta” e resultaram em produção científica. “Os efeitos das restrições orçamentárias, no entanto, devem de fato aparecer nas análises a partir de 2021”. (JR)


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