É possível aplicar a sala de aula invertida nas escolas públicas?
Especialistas dizem que sim, mas comentam os desafios que a metodologia traz para as redes de educação
ANA LUIZA BASILIO
“Ao invés de olharem para a lousa, quietos e
enfileirados, os estudantes conversam, se articulam entre si e com o professor
e se organizam de maneira a facilitar o trabalho com os pares”. É dessa maneira
que o educador norte-americano Jonathan Bergmann define a sala de aula
invertida (flipped classroom), metodologia que vem, cada vez mais, se
firmando como resposta às demandas de flexibilidade e personalização do ensino.
O que está em jogo é o modo de organização da sala
de aula, como explica a doutora em educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Andrea Ramal. “No método tradicional de
ensino, o professor acaba dedicando a maior parte do tempo em sala de aula à
explanação do conteúdo, para depois direcionar atividades aos estudantes. Na
sala de aula invertida temos a inversão desses tempos, ou seja, os alunos
entram em contato com o conteúdo antes da aula e utilizam o momento com o
professor para tirar dúvidas, realizar dinâmicas ou estudos de caso”, explica.
Mas, o que efetivamente é inovador no método? Para
a especialista, um dos pontos de inovação é a presença da tecnologia como
ferramenta pedagógica aos professores. “A ideia não é que os docentes usem os
ambientes tecnológicos apenas para entregar os conteúdos, mas que possam a
partir deles, fazer um mapeamento do conhecimento da turma”, coloca.
Ao propor atividades, por exemplo, os professores
devem criar ferramentas que os ajudem a medir o grau de interação dos
estudantes e a reconhecer os pontos a serem aprofundados presencialmente. “É um
diagnóstico em tempo real”, atesta Andrea.
Outro ponto inovador é a mudança que a metodologia
propõe no relacionamento com os docentes. “Tradicionalmente, eles sempre
ocuparam o lugar do detentor do conhecimento. O método parte do pressuposto que
eles são orientadores, capazes de fazer a curadoria dos materiais e de mediarem
a construção do conhecimento junto com os estudantes”, explicita.
Cenário e desafios
Bergmann e Ramal estiveram presentes na quinta 31
na primeira edição do FlipCon Brasil, congresso trazido ao Brasil pelo GEN
Educação e Universia Brasil. Na ocasião, os especialistas comentaram sobre a
capilaridade da metodologia e seus desafios de implementação.
O educador resgatou a sua primeira experiência com
o método, em 2007, época em que lecionava Ciências em uma escola de Ensino
Médio norte-americana. “Percebi que muitos alunos perdiam aulas por conta de
atividades extras que se envolviam. Na tentativa de apoiá-los com o conteúdo,
comecei a gravar as aulas e disponibilizá-las. Então vi que fazia mais sentido eles
terem aquele contato com o material previamente para que, em sala de aula, eu
pudesse apoiá-los com os conceitos não compreendidos”, conta.
Hoje,
os EUA lideram a aplicação da metodologia, com os grandes cases de sucesso
concentrados nas universidades de Colúmbia e Harvard. No entanto, o
especialista garante que se trata de um movimento mundial que congrega boas
experiências em países como Islândia, Irlanda, Turquia, Emirados Árabes,
Espanha, Austrália, China, Argentina, Noruega, Itália, Espanha, México,
Colômbia, Peru e Chile.
No Brasil, o conceito chega com mais força a
instituições de ensino superior, caso do Instituto Militar de Engenharia (IME)
e a Universidade Mackenzie. Mas os especialistas alegam que o fator econômico
não é um delimitador da prática. Bergmann afirma já ter visto salas de aula
invertidas em escolas economicamente desfavorecidas em todo o mundo e que,
inclusive, vê possibilidades de inserção nas redes públicas de educação.
Contudo, para que o método se efetive é
preciso enfrentar alguns desafios. O primeiro deles relacionado à presença da
tecnologia nas escolas, visto que muitas ainda não são devidamente equipadas. O
investimento na formação de professores também é estrutural. “O trabalho
docente acaba ficando mais complexo, porque os educadores terão de lançar mão
da criatividade para construírem o percurso de aprendizagem dos estudantes”,
reflete Andrea.
As escolas, por sua vez, precisam rever seus
processos, como o da avaliação, que deve acompanhar a proposta da
personalização do ensino. “Não faz sentido cada aluno ter seu ritmo, trilhar um
percurso de aprendizagem e, ao final, ser avaliado em uma prova única, para
todos”, assegura a especialista.
Por fim, um desafio de ordem cultural para a
sociedade. “O de superar a ideia de que uma boa aula é aquele em que o
professor está à frente da sala de aula; precisamos avançar com essa
mentalidade”, finaliza.
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