Expedição científica marítima pode ter a peça que faltava para solucionar controvérsia sobre mudanças climáticas no passado do planeta.
A descoberta de uma amostra de solo submarino de 94 milhões de anos indica que o oceano Índico passou por eventos de total ausência de oxigênio
A descoberta de uma amostra de solo submarino de 94 milhões de anos indica que o oceano Índico passou por eventos de total ausência de oxigênio. Este era o principal objetivo da expedição 369 – Austrália Cretaceous Climate and Tectonics, realizada a bordo do navio de perfuração científicaJOIDES Resolution através do programa IODP – International Ocean Discovery Program.
IODP é um programa derivado de programas de pesquisa americanos que é hoje formado por 23 países, incluindo o Brasil através da Capes, e realiza expedições de perfuração do subsolo marítimo para a retirada de amostras de sedimentos profundos e realização de estudos que permitam a compreensão das principais ocorrências naturais no passado do planeta. As expedições ocorrem seguindo o plano científico de 10 anos, iniciado em 2013, chamado “Iluminando o Passado, Presente e Futuro da Terra”.
A ocorrência de eventos de ausência de oxigênio no oceano, ou eventos anóxicos, já foi comprovada em outros locais no mundo. Estes eventos são inclusive a origem do petróleo, quando a matéria orgânica depositada “encontra” as condições ideais para isso. As razões dessas ocorrências nunca foram totalmente compreendidas, mas o que se sabe é que ocorreram muitas vezes durante o período Cretáceo (145 a 60 milhões de anos atrás), a era dos dinossauros. Um período em que a Terra era quente e farta de vida e fértil.
Uma das consequências destes eventos anóxicos foi a preservação da matéria celular dos seres, formando camadas ricas e muito escuras no subsolo marítimo. Essa descoberta de uma camada em altas latitudes (o site perfurado estava a 60 graus Sul, no período Cretáceo) e a reconstrução do contexto das condições ambientais em que plânctons e outras criaturas se encontravam quando morreram e se depositaram (com o uso de análises químicas e paleontológicas de sua composição e das propriedades físicas dos sedimentos) poderá preencher uma lacuna importante na compreensão dos mecanismos que causaram uma enorme mudança climática nos oceanos 94 milhões de anos atrás.
O co-chefe da expedição 369 Austrália – Cretaceous Climate and Tectonics, Brian Huber, micro-paleontólogo curador no Smithsonian Institution, nos Estados Unidos, está entusiasmado com o achado e afirma que o estudo detalhado deste intervalo anóxico ajudará a resolver a controvérsia de mais de 40 anos sobre a causa dos eventos anóxicos em vários lugares do mundo.
“A teoria prevalecente sobre por que isso aconteceu é de que há 94 milhões de anos deve ter havido uma grande onda de atividades vulcânicas que emitiram na atmosfera vários elementos químicos como dióxido de carbono e outros contendo nutrientes para a produção de plânctons.
Com o combustível de nutrientes aumentando a produção de plânctons, o excesso de matéria orgânica dos plânctons depositou-se no solo oceânico, e assim o oxigênio próximo ao fundo esgotou-se devido ao processo de decaimento orgânico.”
O gás carbônico emitido pelos vulcões provavelmente causou um rápido aquecimento no planeta, mas isso nunca foi convincentemente comprovado, já que na maioria dos locais os sedimentos para estes estudos não são preservados o suficiente. Quando em terra, Huber, juntamente com o co-chefe Richard Hobbs, geofísico da Universidade de Durham, na Inglaterra, e de outros cientistas que representam 15 países, testarão essa ideia com as amostras recuperadas nas perfurações, analisando os isótopos de oxigênio das foraminíferas, criaturas marinhas unicelulares cobertas por conchas cujas diferentes espécies viveram (e ainda vivem) em diferentes ambientes e períodos do planeta. “Uma redução de 180/160 dos índices nas conchas indo da mais antiga para a mais jovem indicará o aquecimento crescente do oceano.”, explica Huber. Estes dados são importantes porque este aquecimento evidenciado somado a evidências do vulcanismo na mesma época permitirão aos cientistas confirmarem a causa do aquecimento.
“Já realizamos muitos dos nossos maiores objetivos por aqui. Se conseguirmos recuperar uma amostra de uma rocha vulcânica basáltica a 220 metros abaixo de onde estamos perfurando agora, alcançaremos o segundo maior objetivo dessa expedição. Nada mal, considerando que estamos na metade. Ainda temos mais 3 sites para perfurar após este. Tudo o que conseguirmos será só a cobertura do bolo.” Brian Huber completa.
Cristiane Delfina – Agente de divulgação da Expedição 369 – Australia Cretaceous Climate and Tectonics