Como uma combinação de ambições teve como consequência a entrada em operação de um porta-aviões brasileiro no delta do Reno.
Por Dr. Anselm van der Peet
Sexta-feira, 13 de janeiro de 1961. Não parecia ser um bom dia para se iniciar uma longa viagem. Os deuses do tempo, de qualquer modo, no que se refere ao ambiente próximo à costa holandesa, em um dia extremamente cinzento e bastante nublado, com uma chuva fina e temperatura abaixo dos 4º C, pareciam concordar com isso. Apesar disso, uma grande embarcação, também pintada de cinza, soltou suas amarras do cais na Nieuwe Waterweg e rumou inexoravelmente para Hoek van Holland.
O quanto não deveria parecer que esse estranho navio, com seu convoo colossal e vazio, tendo no meio sua ilha alongada, colocada solitária à estibordo, estava desafiando o destino, ao se fazer ao mar justamente nesse dia? Será que a tripulação, ao contrário de muitos marinheiros, não era supersticiosa? Supersticiosa ou crente a maioria desses navegantes certamente deveria ser: sua aparência traía uma origem latina, com uma inevitável orientação católica.
Os homens desejavam muito, contudo, voltar para casa. Ao longo de meses, sob rigorosas condições climáticas e temperaturas frequentemente abaixo dos 10º C, com muito vento noroeste e chuvas invernais, eles tiveram que se familiarizar com esse novo navio, de mais de duzentos metros de comprimento.
Seu comandante certamente terá suspirado aliviado, por ele e sua tripulação de mais de mil homens, por terem podido deixar para trás a gelada Holanda, apesar da data de calendário possivelmente fatal. Já um pouco satisfeito, terá constatado que a saída da nau capitânia, a ele confiada, transcorreu a contento. Fora dos molhes do ‘Hoek’, o grande barco estava em seu elemento, e tomou curso para regiões mais ensolaradas. O Brasil ansiava pelo porta-aviões Minas Gerais.
NAeL Minas Gerais (A-11) suspendendo do porto de Rotterdam
Para muitos, talvez, terá sido uma surpresa que um porta-aviões brasileiro tenha oficialmente se feito ao mar pela primeira vez na Holanda. Muitos leitores, por outro lado, provavelmente devem ter tido conhecimento da venda do porta-aviões Karel Doorman à Argentina em 1968, da transferência entre 1973 e 1981 e em 2014 de, respectivamente, dois cruzadores, alguns caça-submarinos e o navio de abastecimento Amsterdam ao Peru, assim como da compra pelo Chile, em 2004, de um total quatro fragatas classe L e M.
Este artigo tenta tirar do esquecimento uma outra aventura sul-americana na história naval da Holanda, até agora pouco conhecida, assim como ilustrar como, por volta de 1960, a prosperidade e o poder naval holandês, graças a ambições nacionais e internacionais, andaram de mãos dadas.
O declínio britânico e a ascensão brasileira
Como era de se esperar, a história começa no além-mar, mas não no Brasil. Para contá-la temos de permanecer mais perto de casa e nos dirigir à Grã-Bretanha. Em meados dos anos cinquenta, a maré econômica não favorecia esse país. Devido à redução das obrigações militares no além-mar, após a descolonização de uma parte importante de seus territórios ultramarinos, assim como ao fato de que a defesa do Ocidente, naquele momento, se apoiava em armas nucleares estratégicas e não em meios táticos de intervenção convencional, como navios de guerra, o orçamento da Royal Navy (Marinha Real britânica) sofria uma grande pressão.
O Admiralty (Almirantado britânico) procurava meios para preencher o próprio orçamento. Um deles era a venda de material supérfluo a potências estrangeiras com tendências amistosas em relação ao Ocidente. O porta-aviões HMS Vengeance, colocado em operação em 1945, uma nave-irmã da Hr. Ms. Karel Doorman, da assim chamada classe Colossus, era um dos trunfos que a liderança da Royal Navy tinha na manga para isso.
A embarcação já havia sido emprestada à marinha australiana, mas agora o carrier (porta-aviões) deveria definitivamente e a curto prazo mudar de proprietário. No final de 1966 foi encontrado um comprador, na América do Sul, justamente o Brasil, que passava por uma fase de modernização no governo do democraticamente eleito presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1955-1961) e queria se impor na região.
Além disso, o chefe de estado esperava, com essa aquisição, apaziguar a influente cúpula do Exército, que até 1955 detinha o poder nas mãos, no Rio de Janeiro. Em 14 de dezembro de 1956 ocorreu então, por cerca de 30 milhões de florins, a compra do Vengeance. O orgulhoso Brasil, com isso, passou a ser, após a Austrália e a Índia, o terceiro estado não filiado à OTAN que adquiria um porta-aviões, após 1945.
Os brasileiros desejavam adaptar o vaso de guerra às exigências da era moderna, o que significava, por exemplo, que ele deveria poder operar com caças à jato. Isso implicava em uma remodelação de grande envergadura, envolvendo alterações tais como a colocação de uma catapulta a vapor, de novos elevadores de aviões e de um convoo em angulo.
Um caça Hawker Sea Hawk da Royal Navy realizando um pouso enganchado durante os testes no Mar do Norte (Acervo de Guilherme Wiltgen)
Naquela época havia ocorrido uma reforma similar em um outro porta-aviões, o HMS Victorious (1941-1968), da classe Illustrious. Apesar disso, essa grande ordem de serviço foi para um estaleiro do outro lado do Mar do Norte: o Verolme Verenigde Scheepswerven N.A. (Estaleiros Unidos Verolme S.A.), em Rozenburg. Essa decisão se devia parcialmente ao tempo extremamente longo, levado pela remodelação do Victorious (oito anos) e os altos custos a isso relacionados. Também contribuiu, provavelmente, o fato de que a antiquada indústria de construção naval britânica da época, andava com má reputação internacional. Existiam, contudo, outras razões de peso que inclinaram a balança em favor do estaleiro holandês.
Um armador ambicioso e uma marinha holandesa de alto nível técnico
Logo depois de sua posse, o Presidente Kubitschek conseguira obter dos Estados Unidos o fornecimento de amplos meios financeiros para o seu desenvolvimento. O chefe de Estado estimulou, além disso, o estabelecimento de empresas estrangeiras no país, porque era de opinião de que era essa a única maneira de fazer a economia crescer.
Essa política soou como música aos ouvidos do ambicioso Cornelis Verolme, que tinha um fraqueza pelo Brasil, visitado por ele já em 1936. Em menos de dez anos depois do estabelecimento de sua primeira fábrica na região do delta do Reno (em 1947), ele criara do nada um império industrial direcionado à construção e reparação naval.
Essa política soou como música aos ouvidos do ambicioso Cornelis Verolme, que tinha um fraqueza pelo Brasil, visitado por ele já em 1936. Em menos de dez anos depois do estabelecimento de sua primeira fábrica na região do delta do Reno (em 1947), ele criara do nada um império industrial direcionado à construção e reparação naval.
Mas suas ambições iam mais longe, e ele queria também estabelecer filiais ultramarinas. Em vista de seu amor pelo país da região do Amazonas, ele tentou fincar pé ali. Depois de ter construído quatro navios-tanque em Alblasserdam e em Botlek, para satisfação do governo no Rio de Janeiro, ele venceu a concorrência na licitação para a grande ordem de serviço da reforma do Vengeance, com uma oferta de 52 milhões de florins.
Seus bons contatos recentes com o presidente Kubitschek contribuíram muito para isso. Some-se a isso o fato de que o chefe de estado brasileiro tinha um grande envolvimento pessoal na aquisição do navio de guerra. E assim já estava decidido que o porta-aviões seria renomeado em homenagem ao estado brasileiro de Minas Gerais, a região onde Kubitschek anteriormente havia construído sua carreira política.
Além de seus próprios méritos e de sua rede de contatos, Verolme soube se apoiar no bom nome da Holanda, não apenas como nação naval, mas sobretudo como nação com uma marinha de guerra. A Marinha Real estabeleceu, desde sempre, suas próprias exigências operacionais e arcou ela própria com a responsabilidade sobre os programas de construção e terceirização.
As forças navais holandesas não se limitaram ao estabelecimento de critérios operacionais para o seu material naval, mas se envolveram intensamente com o projeto da plataforma e dos sistemas de armamentos a serem nela instalados. Essa postura deixou-a em condições de manter estruturalmente o seu conhecimento em um alto nível.
Simultaneamente, devido ao seu conhecimento amplo e fundamental do material, ela pôde manter os custos baixos e padronizar os sistemas que ela própria deveria comprar. A Real Marinha Holandesa foi, portanto, favorecida pela continuidade e pelo desenvolvimento das indústrias envolvidas e do conhecimento nelas existente. Essas empresas, por sua vez, tiraram proveito das altas exigências operacionais estabelecidas pelas forças navais aos navios e serem entregues e aos sistemas neles instalados, que em grande parte eram baseados em experiências operacionais.
Essa rede estável de produtor e usuário foi essencial para a criação e manutenção de um “processo de aprendizagem” estrutural. Ela deixou alguns estaleiros e empresas que, por exemplo, forneciam sistemas de radar, em condições de desenvolver produtos de grande qualidade, que podiam ser encaminhados ao mercado mundial. O que também ajudou essas empresas foi o fato de que nessa época os grandes construtores navais do mundo eram principalmente de orientação civil (Japão, Suécia), caros demais (Estados Unidos) ou antiquados e caros demais (Grã-Bretanha).
A Real Marinha Holandesa tinha, ela própria, interesses financeiros em atuar como exposição comercial flutuante durante visitas portuárias internacionais. Além da promoção do nome e da fama da Holanda, havia também a perspectiva de que o preço unitário de seus próprios navios, assim como o dos sistemas náuticos e de armamentos a bordo, poderiam decrescer, graças às ordens de serviço vindas do exterior. Neste âmbito, provavelmente não foi por acaso que o Brasil, que era visitado regularmente por navios de guerra holandeses, no início da década de 50 enviou uma ordem de serviço ao estaleiro Smit, em Kinderdijk, para a compra de dez barcos de patrulha, que foram colocados em operação entre 1954 e 1955.
Isso demonstra que a marinha brasileira, nessa época, já tinha conhecimento da construção naval bélica na região do delta do Reno. O fato de, em 1956, ter sido iniciada uma modernização da nave-irmã, o Hr. Ms. Karel Doorman, pelo estaleiro Wilton-Fijenoord, em Schiedam, assim como o fato de que o comandante das Forças Navais, Alfred de Booy, que em abril daquele ano passou para a reserva, iria fazer, como diretor, a supervisão geral da reforma do porta-aviões brasileiro, contribuiu sem dúvida ainda mais, para concretizar a possibilidade de se levar o porta-aviões brasileiro para o novo estaleiro em Rozenburg. Em julho de 1957 seguiu-se então a decisão oficial de que seria adjudicada a Verolme a ordem de serviço para a reforma e modernização do porta-aviões.
Reforma e consequências
Na segunda metade desse mesmo mês de julho, o navio chegou a reboque em Roterdã. O vaso de guerra, contudo, não pôde seguir diretamente para Rozenburg. A Verolme ainda não tinha guindastes e pessoal suficientes. O navio de guerra brasileiro ficou docado temporariamente, em seguida, no estaleiro Wilton-Fijenoord, para o desmonte da ilha e a colocação no convés de trilhos, sobre os quais foi montado um guindaste. O estaleiro concorrente de Schiedam, após alguma pressão do Rio de Janeiro, concordou, com algum resmungos, com essa solução. Logo depois, o próprio Verolme já estava em condições de assumir a modernização e a reforma do Minas Gerais.
Em linhas gerais, esse processo transcorreu nos anos seguintes de acordo com o plano. Além da colocação de uma catapulta a vapor, de um convoo em angulo e de novos elevadores para os aviões, a capacidade da caldeira foi melhorada e, seguiu-se a colocação de uma ilha com um moderno passadiço, assim como de sistemas de radar e de direcionamento de tiro. O encargo, contudo, não transcorreu sem problemas para o estaleiro de Rozenburg. Os antigos estaleiros estabelecidos na região de Roterdã, entre os quais o Wilton-Fijenoord e o RDM, criaram obstáculos para o novato mal-visto. Eles cuidaram para que as empresas de instalação de Roterdã recusassem a colocação das instalações elétricas no porta-aviões, sob pena de sua exclusão em novas ordens de serviço.
Os dois porta-aviões da classe Colossus docados no estaleiro Wilton-Feijenoord em Schiedam, em novembro de 1957. O Minas Gerais ficou na doca 6 e o Karel Doorman na doca 7. Observe os trilhos e o guindaste que foram montados no convés do porta-aviões brasileiro.
A Verolme, no entanto, tinha jogo de cintura e logo constituiu em Maassluis uma empresa de instalações própria. Em 15 de novembro de 1959 ocorreu um forte incêndio a bordo, supostamente em consequência de um curto-circuito, justamente em um cabo elétrico. A madeira dos andaimes do estaleiro queimou como uma tocha. A consequência foram grandes danos no hangar da popa, no convés acima e no cabeamento. Não obstante, a Verolme logo declarou que, como estava previsto, o porta-aviões faria sua primeira viagem de prova na primavera de 1960. Apesar disso só ter ocorrido em julho, a viagem inicial transcorreu inteiramente conforme o esperado, para satisfação tanto do estaleiro quanto das autoridades da Marinha do Brasil.
Em 6 de dezembro de 1960, seguiu-se então em Roterdã a entrada oficial em operação do porta-aviões como NAeL Minas Gerais (A 11) pela Marinha do Brasil. Cerca de um mês depois o porta-aviões se fez ao mar em direção ao Brasil, onde permaneceu em serviço até 2001. O próprio Verolme, após a bem-sucedida reforma do Minas Gerais, obteve a sua tão desejada licença para a construção de um estaleiro no Brasil.
Conclusão
O fato de que em 1957 o novo estaleiro Verolme, em Rozenburg, tenha conseguido obter para si a mega ordem de serviço para reformar um porta-aviões da classe Colossus, e torná-lo o porta-aviões mais equipado para a sua época deve ser atribuído a três fatores, nos quais a palavra ambição desempenha um papel central.
Isso se refere às ambições do Brasil e de seu presidente Jucelino Kubitschek, às ambições pelo menos igualmente grandes e à astúcia do magnata da construção naval Verolme, e não por último às ambições da Marinha Real, que contribuíram para o bom nome da Holanda como nação naval e nação com uma marinha de guerra.
No que se refere à Holanda, foi sobretudo a combinação das ambições ainda hoje existentes de valorização internacional da sua indústria naval e bélico-naval, relacionada à defesa, que tornaram possível que, naquele chuvoso dia de janeiro de 1961, com a bandeira brasileira, um altivo Minas Gerais se fizesse ao mar.
NOTA do EDITOR: O Dr. A. J. (Anselm) van der Peet é vinculado ao Instituto Holandês de História Militar.