Lula na França
“Senhora Anne Hidalgo,
Senhoras e senhores representantes do Conselho de Paris,
Minhas amigas e meus amigos,
Agradeço de coração o título que a cidade de Paris me concede, por meio de seus representantes. Agradeço especialmente à prefeita Anne Hidalgo, pela generosa indicação, e ao Conselho de Paris que a aprovou.
Este título teria de se estender, na realidade, às mulheres e homens que defendem a democracia e os direitos da pessoa humana, às brasileiras e brasileiros que lutam por um mundo melhor.
Receber este privilégio me emociona, primeiramente, porque a cidade de Paris é universalmente reconhecida como símbolo perpétuo dos Direitos do Homem e da mais elevada tradição de solidariedade aos perseguidos.
E me emociona de maneira especial porque foi concedido num dos momentos mais difíceis da nossa luta, quando me encontrava preso de forma ilegal, uma prisão política num processo que ainda não se encerrou.
Era o momento em que mais precisávamos da solidariedade internacional, para denunciar as injustiças que vinham sendo cometidas contra o povo brasileiro e as agressões ao estado de direito em meu país.
E o povo de Paris, como em tantas outras ocasiões, estendeu a nós sua proteção fraternal. Recordo-me de ter escrito, numa carta de agradecimento em outubro passado, que Paris estava rompendo o muro de silêncio que ocultava os crimes contra a democracia no Brasil.
Gostaria de estar nesta cidade libertária para simplesmente celebrar a fraternidade entre os povos e recordar os laços de solidariedade que nos unem ao longo da História. Afinal, sempre houve lugar para brasileiros e latino-americanos entre os lutadores da liberdade que Paris acolheu.
Mas é meu dever falar aqui em nome dos que sofrem, em meu país, com o desemprego e a pobreza, com a revogação de direitos históricos dos trabalhadores e a destruição das bases de um projeto de desenvolvimento sustentável, capaz de oferecer inclusão e oportunidades para todos.
É meu dever falar em nome de milhões de famílias de agricultores, das populações que vivem à margem dos rios e nas florestas, dos indígenas e dos povos da Amazônia, para denunciar a deliberada destruição das fontes de vida em nosso país, por causa das políticas irresponsáveis e criminosas de um governo que ameaça o planeta.
O que está ocorrendo no Brasil é o resultado de um processo de enfraquecimento do processo democrático, estimulado pela ganância de uns poucos e por um desprezo mesquinho pelos direitos do povo; desprezo que tem raízes profundas, fincadas em 350 anos de escravagismo.
No período historicamente breve em que o Partido dos Trabalhadores governou o Brasil, muitos desses direitos foram colocados em prática pela primeira vez. Dentre eles, o direito fundamental de alimentar a família todos os dias, o que se tornou possível graças à combinação do Bolsa Família com outras políticas públicas, com a valorização do salário e a geração de empregos.
Temos especial orgulho de ter aberto as portas da Universidade para 4 milhões de jovens, na maioria negros, moradores da periferia e dos rincões mais isolados de nosso imenso país; quase sempre os primeiros a conquistar um diploma universitário em gerações de suas famílias.
Milhares desses jovens tiveram a oportunidade de estudar nas melhores universidades do mundo, graças a um programa da presidenta Dilma Rousseff. Certamente alguns deles se encontram em Paris.
Bastaram 13 anos de governos que olharam o povo em primeiro lugar, para começarmos a reverter a doença secular da desigualdade em nosso país.
Foram passos ainda pequenos para a dimensão do desafio, mas estávamos no caminho certo, porque 36 milhões saíram da pobreza extrema e o Brasil saiu do tristemente conhecido Mapa da Fome da ONU.
Este processo, ao longo do qual cometemos erros, certamente, porém muito mais acertos, foi interrompido em 2016 por um golpe parlamentar, sustentado por poderosos interesses econômicos e geopolíticos, com apoio de seus porta-vozes na mídia e em postos-chave das instituições.
Como sabem, a presidenta Dilma, uma mulher honrada, foi afastada pelo Congresso sem ter cometido crime nenhum, num processo em que as formalidades encobriram acusações vazias.
A este primeiro golpe contra a Constituição e a democracia, seguiu-se a farsa judicial em que fui condenado, também sem ter cometido crime algum, por um juiz que hoje é ministro do presidente que ele ajudou a eleger com minha prisão.
Quando a Justiça Eleitoral cassou minha candidatura, contrariando uma determinação da ONU baseada em tratados internacionais assinados pelo Brasil, lançamos a candidatura do companheiro Fernando Haddad.
Ele foi vítima de uma das mais perversas campanhas de mentiras por meio das redes sociais, disparadas e financiadas ilegalmente pelo adversário, num crime eleitoral que denunciamos e que até hoje, passados quase18 meses, não foi julgado pelo tribunal competente.
O candidato que venceu aquelas eleições, dono de um histórico de ataques à democracia e aos direitos humanos, foi poupado pelas grandes redes de televisão de enfrentar em debates o companheiro Haddad. Essa mídia, portanto, é corresponsável pela ascensão de um presidente fascista ao governo do Brasil.
A triste situação em que se encontra meu país e o sofrimento do nosso povo são consequência de repetidos ataques, maiores e menores, ao estado de direito, à Constituição e à democracia.Se hoje estou aqui, num estado provisório de liberdade e ainda sem direitos políticos, é porque em novembro passado, num julgamento por maioria, o Supremo Tribunal Federal do Brasil reconheceu, para todos os cidadãos, o direito constitucional à presunção de inocência que havia sido negado ao cidadão Lula, às vésperas de minha prisão.
Aqui na Europa, quero me encontrar e agradecer a todos que nos apoiaram nesses momentos tão duros. Mas quero especialmente dialogar com os que trabalham para enfrentar a desigualdade, essa doença criada pelo homem e que está corroendo o próprio conceito de humanidade.
Quero compartilhar as políticas exitosas que tivemos no Brasil, conhecer a experiência, os projetos de outros países e dos que estudam e lutam contra a desigualdade no mundo.
No recente encontro que tive com Sua Santidade papa Francisco, fiquei contagiado pelo entusiasmo com que ele convoca os jovens economistas a debater e buscar saídas para essa questão, que é crucial para o presente e o futuro.
Quero propor aos dirigentes políticos, aos governantes e à sociedade civil dos mais diversos países que promovam, não apenas o debate, mas ações concretas em conjunto, para reverter a desigualdade.
Sei que é possível. Temos de ter fé na juventude, como tem o papa Francisco. Temos de ter fé na humanidade e na nossa capacidade de construir, pelo diálogo e pela política, as bases de um mundo mais justo.
Sei o quanto tem sido importante a solidariedade internacional, na Europa, nos Estados Unidos e ao redor do mundo, para que se restaure plenamente o processo democrático, o estado de direito e a justiça para todos em meu país. E mais uma vez agradeço, em nome dos que sofrem com a atual situação.
O povo de Paris me acolhe hoje entre seus cidadãos, como um reconhecimento pelo que fizemos, junto com tantos companheiros e com intensa participação social, para reduzir a desigualdade e combater a fome no Brasil.
Quero me despedir afirmando que nossa luta prosseguirá, com a participação de todos vocês, porque é a luta pela democracia, pela igualdade, pelos direitos dos desprotegidos, pela humanidade e pela paz.
Muito obrigado.”
Lula
Lula à Paris: La souffrance du peuple brésilien est le résultat des attaques à la démocratie au Brésil
“Madame Anne Hidalgo
Mesdames et Messieurs représentants du Conseil de Paris
Mes amies et mes amis,
Je vous remercie de tout mon cœur du titre que la Ville de Paris vient de me décerner aujourd’hui par le biais de ses représentants. Je remercie tout particulièrement Madame la Maire Anne Hidalgo de sa généreuse nomination, et le Conseil de Paris qui l’a adoptée.
En vérité, ce titre devrait s’étendre aux femmes et aux hommes qui défendent la démocratie et les droits de la personne humaine, et aux Brésiliennes et Brésiliens qui luttent pour un monde meilleur.
Remporter ce privilège est quelque chose qui me touche singulièrement, du fait que la ville de Paris est universellement reconnue comme le symbole perpétuel des droits de la personne humaine et de la plus haute tradition de solidarité à l’endroit de ceux qui sont persécutés.
Et celui-ci m’émeut de façon particulière parce qu’il m’a été accordé au cours de l’un des moments les plus difficiles de mon combat, alors que j’avais été illégalement incarcéré – une prison politique imbriquée dans un processus qui n’a pas encore pris fin.
Un moment où nous avions le plus besoin de solidarité internationale pour dénoncer les injustices commises contre le peuple brésilien et les agressions à l’État de droit dans mon pays.
Et le peuple de Paris, comme en tant d’autres occasions, nous a étendu sa protection fraternelle. Je me souviens d’avoir écrit, dans une lettre de remerciement en octobre dernier, que Paris brisait le mur du silence qui dissimulait les crimes commis contre la démocratie au Brésil.
J’aurais aimé me trouver ici dans cette ville libertaire tout simplement pour célébrer la fraternité entre les peuples et pour me souvenir des liens de solidarité qui nous ont unis tout au long de l’histoire. Après tout, il y a toujours eu de la place pour les Brésiliens et les Latino-Américains parmi les défenseurs de la liberté que la ville de Paris a accueilli.
Mais il est de mon devoir de parler ici au nom de ceux qui sont victimes dans mon pays le fléau du chômage et de la pauvreté, de l’abrogation des droits historiques des travailleurs et de la destruction des fondements d’un projet de développement durable, susceptible d’offrir de l’inclusion et des opportunités à tous.
Il est également de mon devoir de parler au nom des millions de familles qui vivent de l’agriculture, et au nom des populations qui habitent les berges des rivières et les forêts, des peuples autochtones et des peuples de l’Amazonie, et de dénoncer la destruction délibérée des sources de vie dans notre pays du fait des politiques irresponsables et criminelles d’un gouvernement qui menace la planète.
Ce qui se passe dans notre pays est le résultat d’un processus d’affaiblissement de la démarche démocratique, stimulé par la cupidité de quelques-uns et par un mépris mesquin envers les droits du peuple ; un mépris dont les racines profondes peuvent être décelées dans les 350 ans d’esclavage au Brésil.
Au cours de la brève période historique durant laquelle le Parti des travailleurs a gouverné le Brésil, bon nombre de ces droits ont été mis en application pour la première fois. Parmi ceux-ci, le droit fondamental des Brésiliens de pouvoir nourrir leur famille tous les jours, ce qui est devenu possible grâce à l’association du Programme Bolsa Familia (Bourse famille) à d’autres politiques publiques : la valorisation des salaires et la création d’emplois.
Nous sommes particulièrement fiers d’avoir pu ouvrir les portes des universités à quatre millions de jeunes, pour la plupart des noirs, des habitants de la périphérie et des coins les plus isolés de notre immense pays ; presque toujours les premiers à conquérir un diplôme universitaire depuis des générations.
Des milliers de ces jeunes ont eu l’occasion d’étudier dans les meilleures universités du monde, grâce à un programme créé par la présidente Dilma Rousseff. Plusieurs de ces universités, bien entendu, se trouvent à Paris.
Il a fallu 13 ans de gouvernements préoccupés prioritairement au sujet du bien-être du peuple, pour être à même de commencer à renverser le fléau séculaire de l’inégalité dans notre pays.
Ce processus n’a signifié qu’une petite étape – si nous tenons compte de l’ampleur du défi. Mais il est sûr que nous sommes sur la bonne voie : 36 millions de brésiliens sont sortis de l’extrême pauvreté et le Brésil a quitté la triste carte de la faim de l’ONU.
Ce processus, durant lequel nous avons commis certainement des erreurs, mais qui s’est soldé par un nombre beaucoup plus important de réussites, a été interrompu en 2016 par un coup d’État parlementaire, soutenu par de puissants intérêts économiques et géopolitiques, et appuyé par des porte-paroles introduits dans les médias et dans les postes clés des institutions.
Comme vous le savez, la présidente Dilma, une femme honorable, a été destituée par le Congrès sans avoir commis le moindre crime, moyennant un processus où des accusations vides se dissimulaient derrière des formalités.
Ce premier coup d’État contre la Constitution et la démocratie a été suivi par une farce judiciaire lors de laquelle j’ai été condamné, également sans avoir commis le moindre crime, par un juge qui est maintenant ministre du président qu’il a aidé à élire à la faveur de mon arrestation.
Lorsque la justice électorale a révoqué ma candidature, contrariant une décision de l’ONU fondée sur des traités internationaux signés par le Brésil, nous avons lancé la candidature de notre camarade Fernando Haddad.
Celui-ci a été victime, par le biais des réseaux sociaux, d’une des campagnes les plus perverses de mensonges, lancée et financée illégalement par son adversaire : un crime électoral que nous avons dénoncé et qui, jusqu’à cette date, près de 18 mois déjà, n’a pas encore été examiné par la juridiction compétente.
Le candidat qui a remporté ces élections, qui est d’ailleurs depuis toujours connu par ses attaques contre la démocratie et contre les droits de l’homme, a été épargné par les grandes chaines de la télévision de débattre avec notre camarade Haddad. Ces médias sont donc co-responsables de l’ascension au gouvernement du Brésil d’un président fasciste.
La triste situation dans laquelle se trouve mon pays et la souffrance de notre peuple est la conséquence d’attaques renouvelées, graves ou plus ou moins graves, contre l’État de droit, la Constitution et la démocratie.
Si je me trouve aujourd’hui ici, en état provisoire de liberté quoiqu’encore privé de mes droits politiques, c’est parce qu’en novembre dernier, à la majorité des voix de ses membres, la Cour suprême du Brésil a reconnu pour tous les citoyens, le droit constitutionnel à la présomption d’innocence qui avait été refusée au citoyen Lula à la veille de mon arrestation.
Ici, en Europe, je souhaite rencontrer et remercier tous ceux qui nous ont soutenus en ces temps difficiles et tourmentés. Mais je souhaite surtout dialoguer avec ceux qui travaillent pour faire face à l’inégalité, ce chancre créé par l’homme, qui érode le concept même de l’humanité.
Je veux partager avec vous les politiques réussies que nous avons mis en œuvre au Brésil, connaître l’expérience et les projets d’autres pays et de ceux qui prennent au sérieux les inégalités dans le monde et luttent contre celles-ci.
Lors de ma récente rencontre avec Sa Sainteté le pape François, j’ai été frappé par l’enthousiasme avec lequel il convoque les jeunes économistes à débattre et à à trouver des moyens de résoudre cette question, cruciale pour le présent et l’avenir.
Je voudrais proposer aux dirigeants politiques, aux gouvernants et à la société civile des plus divers pays, de promouvoir, de façon conjointe, non seulement un débat, mais également de présenter des actions concrètes en vue d’inverser les inégalités.
Je sais que c’est possible. Nous devons croire dans la jeunesse comme le fait le pape François. Nous devons croire dans l’humanité et dans notre capacité à construire, au moyen du dialogue et de la politique, les fondements d’un monde plus juste.
Je sais à quel point la solidarité internationale a été importante en Europe, aux États-Unis et dans le monde entier, afin que le processus démocratique, l’État de droit et la justice pour tous dans mon pays soit pleinement rétabli. Et encore une fois, je vous remercie au nom de ceux qui sont les victimes des conséquences de la situation actuelle.
Le peuple de Paris m’accueille aujourd’hui parmi ses citoyens, en reconnaissance de ce que nous avons fait –nous et tant d’autres camarades, au moyen d’une participation sociale intense – pour réduire les inégalités et lutter contre la faim au Brésil.
Je veux maintenant, avant de vous dire au revoir, vous assurer que notre lutte se poursuivra grâce à la participation de vous tous, parce qu’il s’agit en fait d’une lutte pour la restauration de la démocratie, de l’égalité, des droits de ceux qui ne disposent pas de protection, de l’humanité et de la paix.
Merci.”
Lula