OS RELATOS DE INTOXICAÇÃO POR ÁLCOOL GEL SALTARAM DE 17, DE
JANEIRO A ABRIL DE 2019, PARA 108, NO MESMO PERÍODO DESTE ANO.
RIO — Desde que começou a pandemia de Covid-19, a limpeza da casa, de roupas e de alimentos virou uma obsessão para os brasileiros. A ânsia por atender a essa busca crescente por produtos que possam exterminar o novo coronavírus já virou motivo de disputa entre empresas e entrou no radar da Justiça, com direito a cancelamento de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e abertura de processo pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
A Anvisa já realizou 77 cancelamentos de produtos de limpeza
neste ano. Segundo o órgão regulador, os casos envolvem produtos que afirmam
ter uma ação desinfetante, mas não contam com o registro obrigatório para este
fim.
A agência recebeu ainda 286 solicitações de alteração de
rótulos. Parte desses pedidos pretende incluir informações como “ajuda no
combate a microrganismos semelhantes aos da Covid-19”.
O levantamento ainda não foi finalizado, mas a Anvisa
antecipa que, entre esses pedidos, há seis questionamentos de empresas que já
haviam comprovado, no momento do registro, que combatiam outros vírus como o
H1N1.
O assunto ganhou holofotes, na semana passada, quando o
sabão em pó da Tixan Ypê teve a venda proibida pela Justiça e o registro
cancelado pela Anvisa após queixa da concorrente Unilever.
A embalagem trazia informações que, na avaliação dos
reguladores, poderiam induzir o consumidor a crer que o produto elimina o
coronavírus, o que não estaria comprovado.
A Senacon informou que expediu, na sexta-feira, uma
notificação a Unilever para prestar esclarecimentos sob alegação similar feita
na embalagem do sabão em pó Brilhante. Essa denúncia, por sua vez, foi feita
pela Tixan Ypê.
A polêmica acendeu um sinal de alerta para consumidores como
a aposentada Claudia Soares, de 65 anos:
— O sabão em pó dizia que era sanitizante e falava em
combate a germes e bactérias. Mas combate como? Mata tudo? As informações
precisam ser mais claras. Eu uso mesmo é água sanitária.
Juliana Domingues, diretora do Departamento de Proteção e
Defesa do Consumidor (DPDC), órgão da Senacon, diz que, na pandemia, os
consumidores estão em situação de hipervulnerabilidade:
— A preocupação é protegê-los de propagandas que possam ser enganosas. Por isso, estamos pedindo esclarecimentos de associações de representantes de supermercados, indústria e da própria Anvisa, para nos munirmos de informações para análise dos casos.
Márcia Rolim, subsecretária de Vigilância Sanitária
Municipal do Rio, diz que os produtos de limpeza são aliados no combate ao
vírus, mas é preciso atenção aos rótulos:
— A primeira informação a verificar é o registro da Anvisa.
Deve-se ter atenção ainda ao fato de que há produtos de limpeza e de
desinfecção, como água sanitária e álcool.
A associação da indústria do setor, Abipla, chama atenção
para o fato de que os itens chamados de limpadores, como diz o nome, apenas
limpam e dão cheiro. Para eles, os fabricantes precisam de um registro simples
na Anvisa.
Já os ditos sanitizantes (que eliminam os micro-organismos a
níveis seguros) e desinfetantes (que matam todos os germes) precisam de
comprovação de resultado em laboratório para obter o registro na agência.
Mais casos de intoxicação
Wilenes Souza, farmacêutica que atua na Coordenadoria de
Saúde da Vigilância do Rio, diz que não é preciso gastar mais para se proteger:
— Em relação ao coronavírus, água e sabão resolvem. E é
preciso limpar, antes de usar um desinfetante. O uso excessivo de produtos não
melhora a eficiência e causa risco de intoxicação. Sem falar nos casos de
queimaduras por uso indevido do álcool.
Segundo boletim da Anvisa, os relatos de intoxicação por
álcool gel saltaram de 17, de janeiro a abril de 2019, para 108, no mesmo
período deste ano.
Diante de dúvidas e acidentes, Márcia diz que o órgão
publica, esta semana, protocolo com orientação para escolha e uso de produtos
de limpeza.
A Química Amparo, dona da TIxan Ypê, disse que, embora o
mérito da ação judicial e do procedimento administrativo ainda não tenham sido
julgados, resolveu recolher do varejo embalagens com menção ao vírus.
A Unilever disse que a nova linha Brilhante é sanitizante e
aprovada pela Anvisa, o que comprova o poder de combate a vírus, germes e
bactérias.
Veja a diferença entre os produtos:
São saneantes e o que fazem:
Detergente líquido: tira as sujeiras de pratos, copos, garfos,
facas;
Detergente em pó e sabão em pó: tira sujeiras de roupas;
Água sanitária: desinfeta pisos, azulejos, banheiros,
cozinhas e deixa mais brancas as roupas;
Desinfetante: mata germes e bactérias.
Limpadores:
São itens que apenas limpam a superfície e não têm ação
comprovada no combate a microrganismos patogênicos (chamados de germes), como
bactérias, vírus e fungos, por exemplo. Por serem considerados itens mais
simples, precisam apenas de uma notificação da Anvisa.
Sanitizantes:
São produtos que reduzem o número de microrganismos “a
níveis seguros”, segundo o Ministério da Saúde. Esse tipo de classificação
exige comprovação e precisa ser registrado na Anvisa.
Desinfetantes:
Eliminam todos os microrganismos patogênicos. Assim como o
sanitizante, esse tipo de produto também precisa ter seu resultado comprado em
testes de laboratórios e obter um registro da Anvisa.
Como usar:
A orientação dos especialistas é que seja usado um produto
de limpeza, antes da aplicação de desinfetantes, pois eles não tiram a sujeira.
Se a superfície estiver suja, sua ação será prejudicada.
Como saber se o produto é regular:
Uma opção é consultar no portal da Anvisa, em “Consulte
produtos”. No mercado, com o produto na mão, observe se a rotulagem apresenta,
além do número de registro ou notificação, o nome da empresa, CNPJ, autorização
de funcionamento na Anvisa, endereço, orientações de uso e cuidados com o
produto. Características de um produto regular.
O que substitui o álcool 70:
Segundo a Anvisa, desinfetantes comuns e solução diluída de
água sanitária são capazes de matar o novo coronavírus na desinfecção de
objeto. São necessários dez minutos de contato para inativar os microrganismos.
A recomendação é de não limpar imediatamente a superfície
logo após o uso do desinfetante, de modo que o vírus possa ficar em contato com
a solução e ser destruído.
Cuidados na compra:
Não compre produtos clandestinos. Eles estão à venda sem a
permissão do Ministério da Saúde, ou seja, são produtos que não têm qualquer
avaliação de que dão bons resultados e de que são seguros para o uso, manuseio
ou armazenagem.
Na maioria das vezes, não têm ação contra os germes ou não
limpam as superfícies, porque suas formulações não têm ingredientes próprios para
isso, ou quando os contêm, não estão em quantidades suficientes.
Atenção no uso:
Leia atentamente e siga as instruções descritas no rótulo
das embalagens. Mantenha os produtos fora do alcance das crianças e de animais,
pois podem causar acidentes graves. Não misture produtos químicos.
Garanta a ventilação adequada quando for manusear esses
produtos, lembre-se que há risco de intoxicação e que são inflamáveis. Em caso
de emergências toxicológicas, não provoque vômito e ligue para o Centro de
Intoxicações no 0800 722 6001.
Fontes: Anvisa, Vigilância Sanitária Municipal do Rio e
Abipla