Após seis anos de desmonte de políticas públicas, as urgências se acumulam no Brasil de 2023.
Nesta primeira edição especial após a posse do novo governo, o Jornal da Ciência optou por abordar a saúde pública como tema de capa. Porém, não há como dissociar esse assunto de outro mais amplo: a desigualdade socioeconômica que tem implicações fundamentais no acesso à saúde e a outras necessidades humanas.
Saúde foi também o assunto do primeiro relatório de 2023 da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), órgão ligado ao Ministério do Planejamento. Intitulado “Políticas Sociais – acompanhamento e análise”, o estudo esmiuçou a saúde frente à questão da desigualdade.
Após uma revisão da literatura, os pesquisadores do instituto ressaltaram que no Brasil de 2021, por exemplo, os 10% mais ricos capturaram 59% da renda total nacional, enquanto metade da população ficou com aproximadamente 10%. “Esse resultado colocou o País entre aqueles de maior desigualdade de renda do mundo”, afirmaram.
O problema é que, no Brasil, mais de 70% da população tem acesso às ações e aos serviços de saúde quase exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Isso mostra a importância e a dimensão do sistema público de acesso universal no País”, alerta o estudo do Ipea.
“A ideia é apontar como as desigualdades estão, tanto em termos de financiamento do sistema de saúde, quanto de acesso a serviços, para sinalizar a uma agenda necessária de enfrentamento por parte do governo federal”, comentou Fabiola Sulpino Vieira, pesquisadora em Políticas Públicas e Gestão Governamental e coordenadora de Estudos e Pesquisas em Saúde e Assistência Social da Disoc/Ipea.
Inspirado no National Health Service (NHS) britânico, o SUS está embasado em um arcabouço legal que prevê a distribuição equitativa da assistência de saúde enquanto direito e cidadania, mesmo em um território tão extenso e diverso. No entanto, o cenário da saúde pública brasileira parece tomar outro rumo, distante das determinações legais.
Um sistemático desfinanciamento provocado por escolhas políticas ao longo das últimas duas décadas acabou por deixar o SUS em posição inferior em relação à saúde privada. Hoje o Brasil gasta mais com o setor privado que com a saúde pública, atesta a médica Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O preço dessas escolhas foi cobrado durante a pandemia de covid-19, quando um governo negacionista entregou o SUS – já menor que o necessário – nas mãos de políticos, militares e religiosos sem qualquer experiência, muitos deles interessados apenas no balcão de negócios.
O resultado foram as cenas chocantes nunca vistas antes no Brasil de sepultamentos coletivos, caixões empilhados em cemitérios sem espaço para tantos corpos, pessoas sofrendo com falta de ar e um saldo, até agora, de 700 mil mortos pela pandemia. Nas próximas páginas, especialistas em saúde pública farão um diagnóstico e oferecerão ideias para o novo governo recuperar o tempo perdido com a saúde dos brasileiros.
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