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Consumidores vítimas de furto e golpes têm buscado a Justiça para reaver valores cobrados indevidamente sem a senha.
Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política. Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo. Antes do JOTA, era editora assistente na revista Claudia, escrevendo sobre direitos humanos e gênero.
A tecnologia de pagamento por aproximação nos cartões costuma ser aplicada para compras de até R$ 200 sem demandar senha, mas consumidores têm demandado a Justiça para tentar reaver valores muito maiores captados por fraudadores que se aproveitaram da inovação. E os juízes têm de definir quem fica com o prejuízo: os clientes ou os bancos.
Um pedido de delivery em Santo André (SP) terminou em uma fatura de R$ 9,8 mil para um cliente do Bradesco, vítima do “golpe da maquininha” – quando o visor não mostra corretamente o valor que será desembolsado em uma compra com cartão. O pagamento, feito por aproximação às 23h40, foi liberado pela instituição financeira.
Ao perceber o golpe, ele registrou boletim de ocorrência na polícia e acionou o banco, que não ressarciu a cobrança. Processado, o Bradesco se defendeu sob o argumento de que, embora o pagamento tenha sido por aproximação, teria havido pedido de senha. Além disso, sustentou que o cliente deveria ter agido com mais cautela e que não teria como ser responsabilizado pela prática de um crime.
A justificativa não foi aceita pelo juiz Sidnei Vieira da Silva, da 9ª Vara Cível de Santo André, que condenou o banco a ressarcir o cliente e a pagar R$ 5 mil em indenização por danos morais, em decisão de 23 de janeiro.
O magistrado entendeu que houve falha na prestação de serviço, já que o sistema antifraude não funcionou. Na visão do julgador, o banco poderia ter identificado que se tratava de uma operação atípica, pelo valor e horário, e ter entrado em contato com o cliente antes de efetivar o pagamento. Além disso, segundo o consumidor, a quantia teria chegado a ultrapassar seu limite de crédito.
Outros agravantes seriam que o homem havia entrado em contato por diversas vezes com o banco para lidar com o problema, sem ter sucesso, e até possuía serviço de seguro junto à instituição para evitar transações fraudulentas.
“Assim, se a condenação não vier acompanhada desta indenização, estaremos ignorando o desgaste emocional suportado pela parte autora e premiando o banco requerido, que deveria investir mais na qualidade e segurança de seus serviços”, afirmou Silva. Ainda cabe recurso da sentença.
Um norte nas decisões envolvendo golpes bancários é a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela define que “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Além disso, segundo o Código de Defesa do Consumidor, o dever de reparar os danos causados ao consumidor não depende de a instituição ser culpada, mas há exclusão da responsabilidade dela se comprovada a inexistência do defeito ou houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
Por isso, os consumidores podem sair derrotados nas demandas relacionadas aos golpes com pagamentos por aproximação. A demora em perceber e comunicar o furto de um cartão, por exemplo, é um dos motivos para que o prejuízo fique na conta do cliente, e não do banco. A resposta dependerá das circunstâncias específicas de cada golpe.
Durante uma viagem, uma correntista do C6 Bank percebeu que seu cartão havia sido furtado de sua bolsa. Ao olhar o extrato pelo aplicativo, notou diversas transações nos dois dias anteriores, que somaram R$ 864,09.
Como as compras foram feitas em pequenos valores, sem mudanças significativas em relação ao comportamento de consumo, o banco digital foi desobrigado de reembolsar a cliente por decisão do juiz Luiz Fernando Pinto Arcuri, da 1ª Vara Cível do Foro de Vila Prudente, em São Paulo.
Ele entendeu que, nesse caso, a causa da perda foi externa, e não por descuido da instituição. “O fornecedor é responsável por assegurar a segurança, dentro de seu sistema, nas operações de sua plataforma, enquanto a parte consumidora é responsável pela guarda do cartão e de seus dados para evitar ação de fraudadores, como em caso de furtos e outras fraudes eletrônicas”, afirma o magistrado, em decisão do dia 27 de janeiro.
O fato de o cartão ter a tecnologia de pagamento por aproximação, por si só, não seria suficiente para o banco ser responsabilizado por falhas na prestação de serviço, já que há pedido de senha para valores mais elevados, concluiu Arcuri.
Em situações distintas, mesmo que envolvendo compras de valores baixos, houve o entendimento de que o banco poderia ter impedido as fraudes. Foi assim com a cobrança por 19 transações feitas em uma mesma loja de conveniência em um curto intervalo de tempo – algumas delas no mesmo minuto. Ao fim, essa fatura somou R$ 550,38 em um cartão do Mercado Pago.
A empresa disse que, como as compras foram presenciais e com uso de senha, não devolveria os valores. Já a cliente afirmou que foi usado o pagamento por aproximação.
Para o juiz Vinícius Rodrigues Vieira, da Vara do Juizado Especial Cível de Ribeirão Preto (SP), o Mercado Pago precisa estar preparado para inibir esse tipo de prática e proteger seu sistema de fraudes. Além disso, faria parte do risco do negócio lidar com tentativas de falsificações, clonagens e estelionato.
Já em outro caso, a impossibilidade de desabilitar o pagamento contactless foi motivo suficiente para que fosse considerado que a instituição financeira falhou. Por isso, a Pagseguro, dona do Pagbank, precisou ressarcir a cobrança de R$ 219,50, mas não foi condenada à indenização por danos morais, em sentença de dezembro.
“Se o próprio réu reconhece que fornece cartão com metodologia de pagamento por aproximação que não pode ser desativada, está claro que oferece serviço inseguro aos seus consumidores, devendo suportar os riscos e prejuízos decorrentes de fraudes praticadas por terceiros que se valham da vulnerabilidade de seu sistema”, disse a juíza Amanda Eiko Sato, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Foro de Santana, em São Paulo.
Procurados pela reportagem, o Pagbank e o Bradesco não quiseram comentar as condenações. O Mercado Pago também não abordou o caso citado, mas orienta que os usuários vítimas de furto ou roubo cancelem o cartão imediatamente, o que pode ser feito via aplicativo ou canais de atendimento.
Os casos citados se referem aos processos 1020350-13.2022.8.26.0554, 1003479-88.2022.8.26.0009, 0000344-49.2022.8.26.0506 e 1027077-95.2022.8.26.0001.
Fonte: JOTA