segunda-feira, 24 de junho de 2019

CENTENÁRIO DO ECLIPSE DE SOBRAL - A COMPROVAÇÃO DA TEORIA DA RELATIVIDADE DE ALBERT EINSTEIN!


No dia 29 de maio de 1919, o céu amanheceu nublado sobre a cidade cearense de Sobral, distante 240 quilômetros da capital Fortaleza. Tivesse o Sol permanecido encoberto, todo o esforço da comitiva de astrônomos teria sido em vão. Perderiam o eclipse total e a chance de provar, pela primeira vez, se as ideias revolucionárias de Albert Einstein eram corretas.

Mas, pouco antes das 9 da manhã, uma oportuna brecha entre as nuvens revelou a todos o glorioso momento em que o disco solar foi obscurecido pela Lua. Muita gente acompanhava o fascinante fenômeno em uma das praças centrais da cidade, bem em frente ao Jockey Clube e à Paróquia do Patrocínio. As reações foram as mais diversas.

Sobralenses amedrontados buscaram refúgio na igrejinha, temendo o Juízo Final; os galos ao redor, confusos, cantaram pensando que já era noite; enquanto isso, os cientistas davam duro para extrair o máximo de resultados dos instrumentos de alta precisão cuidadosamente montados em um misto de observatório e laboratório improvisado no coração de Sobral. Os brasileiros focavam-se no estudo da coroa solar; os britânicos tiravam fotos. Muitas fotos.

Cinco minutos e treze segundos mais tarde, o Sol voltou a brilhar no Ceará. Aquele eclipse solar total não tinha nada de tão especial, mas acabou eternizado nos anais da história da ciência como um dos mais importantes de todos os tempos. Foi uma espécie de rito de passagem. Marcou o ocaso do mecanicismo clássico de Isaac Newton como melhor explicação do Universo e a aurora das arrojadas ideias relativísticas de Albert Einstein.

O século 20 nunca mais foi o mesmo. "Foi um momento de mudança revolucionária, dizer que esse modelo de universo newtoniano incrivelmente importante não era, na realidade, o correto", diz à GALILEU o britânico Richard Dunn, pesquisador da Universidade de Leicester e curador das exposições de história da ciência do Observatório de Greenwich. "E essa expedição foi vista como um teste crucial." Meio sem querer, a pequena Sobral ganhou fama internacional por ter sido o palco da comprovação da teoria da relatividade geral.

Dunn veio ao Brasil para proferir uma palestra sobre o Eclipse de Sobral no último dia 19 de outubro. O evento, realizado no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), no Rio de Janeiro, marcou a abertura das comemorações do centenário do histórico fenômeno astronômico, que ocorre em maio do ano que vem.

Talvez não por acaso, 2019 foi proclamado como o Ano Brasil-Reino Unido de Ciência e Inovação pelo governo dos dois países — o evento no MAST faz parte do calendário de atividades. "Podemos fazer boas parcerias nesse sentido, nós com nossa criatividade, e a Inglaterra com a sua tradição em pesquisa", diz a física Anelise Pacheco, diretora do MAST. "Sem cooperação, inexiste ciência." A afirmação é tão verdadeira hoje quanto era em 1919.

Na época, foi necessária uma intensa colaboração entre cientistas ingleses e brasileiros para garantir que a expedição tivesse êxito. O arquiteto por trás da empreitada foi o célebre astrônomo inglês Arthur Eddington, da Royal Astronomical Society. Com auxílio de Henrique Morize, então diretor do Observatório Nacional (ON), Sobral foi escolhida por apresentar a melhor visibilidade do eclipse. Morize garantiu grande suporte logístico e até supervisionou a montagem de uma estação meteorológica no local, para monitorar a atmosfera durante o fenômeno e evitar que as condições climáticas estragassem os resultados.

Uma outra comitiva britânica foi enviada à costa africana para documentar o evento a partir da Ilha do Príncipe, local também com observação privilegiada do evento. Os ingleses Andrew Crommelin e Charles Davidson vieram à Sobral, e os colegas Arthur Eddington e Frank Dyson foram à Roça Sundy, em Príncipe, onde o tempo não colaborou.

"Pense nas dificuldades práticas de se transportar instrumentos sofisiticados até territórios tão pouco familiares, e fazer com que trabalhem nos níveis mais altos de precisão", observa Dunn. Este foi o principal tema que abordou na conferência. Ambas as expedições partiram da Inglaterra no dia 8 de março de 1919 — Crommelin e Davidson chegaram em Sobral cerca de um mês antes do eclipse. Ficaram hospedados na casa de um deputado. Com eles estavam as placas fotográficas que testariam a teoria de Einstein.

Um século depois, pouquíssimos duvidam da relatividade geral. Mas, naquela época, o modelo einsteiniano do Universo ainda dava seus primeiro passos, encarado com bastante descrença pela comunidade científica por ainda não ter sido verificado. Publicada em 1916, a teoria havia levado oito anos para ficar pronta: foi o tempo que Einstein levou para generalizar os postulados da relatividade especial, de 1905, e incluir a gravidade na jogada.

De acordo com a teoria, o espaço e o tempo formam um único tecido, um contínuo maleável que é distorcido por corpos de muita massa como um buraco negro, um aglomerado de galáxias ou o Sol. Nem mesmo a luz escapa dessa distorção: quando os fótons atravessam regiões distorcidas do Universo, suas trajetórias também sofrem um desvio.

Os eclipses solares totais forneciam as condições perfeitas para testar se essa previsão de Einstein fazia, ou não, algum sentido. Com a Lua bloqueando temporariamente o brilho ofuscante do Sol, tornava-se possível enxergar (e fotografar) as estrelas posicionadas bem próximas a ele no céu. Por estarem praticamente encobertas pelo Sol quando vistas da Terra, isso significava que os raios dessas estrelas distantes necessariamente atravessaram o espaço-tempo distorcido pelo campo gravitacional solar. Esse desvio podia ser verificado.

O segredo era fotografar essas estrelas durante o eclipse e, um tempo depois, fotografá-las novamente quando estivessem na mesma região do céu, só que sem a interferência do Sol. Foi justamente o que a delegação britânica fez em Sobral. "Eles estavam procurando por variações comparáveis aos mais finos fios de cabelos humanos", explica Dunn. Precisavam de estabilidade e rigor extremos nos instrumentos para produzir resultados confiáveis.

O segundo conjunto de fotos foi tirado em julho do mesmo ano, para serem comparadas aos registros de maio. Segundo a teoria de Einstein, a comparação deveria revelar uma diferença de 1,75 segundo de arco, enquanto a de Newton previa um número bem menor, de 0,86. Um segundo de arco equivale ao tamanho de uma estrela a olho nu. "Passaram os meses seguintes analisando aquelas placas e conseguiram centenas de páginas de cálculos baseados nas fotos", diz Dunn. Então, em novembro, os olhos do mundo se voltaram para Londres, onde os cientistas anunciaram que Einstein estava certo.

Nos anos que antecederam Sobral, pesquisadores de vários países organizaram expedições para tentar acompanhar eclipses totais do Sol em cantos distintos do mundo. Todas fracassaram. Uma delas, inclusive, foi no Brasil, na cidade mineira de Passa Quatro (MG), em 1912. Além da expedição brasileira, Inglaterra, França, Argentina e Chile também enviaram representantes para acompanhar o fenômeno, que contou com a presença ilustre do então presidente da república Hermes da Fonseca. Mas a chuva estragou tudo.

A equipe que participou da expedição a Sobral (Foto: Divulgação/ Observatório Nacional)
A EQUIPE QUE PARTICIPOU DA EXPEDIÇÃO A SOBRAL (FOTO: DIVULGAÇÃO/ OBSERVATÓRIO NACIONAL)

A astrofísica Patrícia Spinelli, do MAST, pensa que as coisas acabaram acontecendo no momento certo. "Fico imaginando, se Passa Quatro tivesse sido o eclipse da comprovação, não teria dado a fama e repercussão que Sobral deu a Einstein", observa. Um bom pedaço da relatividade geral ainda estava confinada na mente brilhante do físico teórico alemão. "Quando os céus se abriram em 1919, a teoria já estava completa e pôde ser comprovada."

O principal entrave para as comitivas anteriores não era o mau tempo, mas sim a guerra. Desde 1914, a Primeira Guerra Mundial impedia o ir e vir dos cientistas. As coisas só melhoraram após o armistício de novembro de 1918, que pôs fim às batalhas, mas foi só em junho do ano seguinte que o conflito acabou oficialmente, com o Tratado de Versalhes. Durante o eclipse de Sobral, o mundo ainda estava tecnicamente em guerra.

Muitos na Inglaterra olhavam torto para a ideia de patrocinar expedições a cantos remotos do planeta com o objetivo de comprovar as ideias de um astrônomo alemão. Não Eddington. "Ele acreditava no internacionalismo e no pacifismo, e encarou isso como uma oportunidade de remendar um mundo fraturado através da ciência", explica Dunn. São ideais que, assim como a relatividade geral, nunca envelhecem.


FONTE:

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/10/historia-do-eclipse-de-sobral-ce-que-comprovou-teoria-da-relatividade.html

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