O conservadorismo autoritário alemão e os homens da velha ordem nutriram o desapreço e radicalizaram as suas ações em combate à nova ordem, na qual triunfavam direitos fundamentais e o conjunto de liberdades.
Por Roberto Bueno
O conservadorismo autoritário
alemão e os homens da velha ordem nutriram o desapreço e radicalizaram as suas
ações em combate à nova ordem, na qual triunfavam direitos fundamentais e o
conjunto de liberdades.
Nas primeiras linhas do rico e
multifacetado O homem sem qualidades, encarnado em Ulrich, Robert Musil
destacava o valor da pergunta “onde estou?”, proveniente de tempos remotos, não
abandonando os homens sequer quando a pior tempestade do deserto cobre com
densa poeira não apenas o longínquo horizonte como também milímetros logo a
frente dos olhos interditando a percepção da realidade. A inquietante pergunta
musiliana “onde estou?” permanece como via para superar a interdição ao real,
mas para potencializá-la, acrescer o “onde estamos”. Cortemos aqui por um
momento e retornemos no tempo quase um século, especificamente ao ano de 1933,
primeiros dias da escalada do horror.
O nazismo formalizou a ascensão
ao poder com a nomeação de Hitler para a Chancelaria em 30.01.1933 pelas mãos
de Hindenburg. O nazismo prometeu revolução sistêmica para revivescer a
derrotada Alemanha na campanha bélica de 1914-1918, todavia sob impacto das
sombras da Revolução Russa de 1917 que se espraiavam sobre a Europa ameaçando o
conservadorismo de direita, também pressionado pela emersão da República de
Weimar traduzida no plano legal pela Constituição de 1919 sustentada por
liberais e social-democratas.
O conservadorismo autoritário
alemão e os homens da velha ordem nutriram o desapreço e radicalizaram as suas
ações em combate à nova ordem, na qual triunfavam direitos fundamentais e o
conjunto de liberdades. A eclosão deste universo em processo de densificação de
forças ao longo da década de 1920 expandiu-se na prática e foi traduzida pela
gramática da literatura de Musil (2014, p. 84-85), eis que “tudo isso foi
abolido de um só golpe, sem que as mesmas pessoas tivessem movido um dedo
sequer! Juraram. que sacrificariam suas vidas pelos seus princípios, e mal mexeram
um dedo!” A debacle dos direitos e dos dispositivos constitucionais weimarianos
logo seria acompanhado pela Ermächtigungsgesetz (Lei de Plenos Poderes) de
23.03.1933, comprovando a concentração de poderes da nova ordem nazista
contando com apoio de massa de indivíduos enquanto outros, omissos, assistiam o
terror instalar-se segundo a gramática de Musil, ou seja, sem mover um dedo
sequer!
O conservadorismo autoritário
alemão e os homens da velha ordem nutriram o desapreço e radicalizaram as suas
ações em combate à nova ordem, na qual triunfavam direitos fundamentais e o
conjunto de liberdades. A eclosão deste universo em processo de densificação de
forças ao longo da década de 1920 expandiu-se na prática e foi traduzida pela
gramática da literatura de Musil (2014, p. 84-85), eis que “tudo isso foi
abolido de um só golpe, sem que as mesmas pessoas tivessem movido um dedo
sequer! Juraram. que sacrificariam suas vidas pelos seus princípios, e mal
mexeram um dedo!” A debacle dos direitos e dos dispositivos constitucionais
weimarianos logo seria acompanhado pela Ermächtigungsgesetz (Lei de Plenos
Poderes) de 23.03.1933, comprovando a concentração de poderes da nova ordem
nazista contando com apoio de massa de indivíduos enquanto outros, omissos,
assistiam o terror instalar-se segundo a gramática de Musil, ou seja, sem mover
um dedo sequer!
O nazismo requer o desarme ou
neutralização da inteligência dado o reconhecimento do fator cultural como
linha de força articuladora de duríssima resistência aos propósitos de domínio
e controle absoluto. Exitosa a iniciativa nazista, Musil (2014, p. 83)
projetava dias difíceis em 1933, pois “Com uma prontidão sem par para o
sacrifício, a Alemanha renunciou, em poucas semanas, a pesquisadores e eruditos
entre os quais não há poucos que sejam insubstituíveis – [pelo menos] quando se
leva em consideração os critérios que orientaram a vida espiritual durante
séculos; e nenhum debate dessas condições de vida pode permanecer indiferente
ao que aconteceu”. O nazismo liquidou a intelligentsia alemã e seus melhores
frutos acumulados, como categorias filosóficas arraigadas na cultura e na vida
ordinária, a exemplo dos imperativos éticos embebidos no pietismo, que não
conviveriam com as práticas nazistas. Estas destruíam o núcleo duro do humano,
enquanto a ética perpassada pela dimensão de religiosidade apoia a constituição
de sentido e objetivos à vida, dimensão que Levi (1988, p. 71) admite estar
“enraizada em cada fibra do homem; [que] é uma característica da substância
humana”, contraditória com o propósito de dessubstancialização e final
extermínio do homem.
As manipulações da propaganda
nazista repercutiram profundamente na sociedade alemã, percebida em sua
influência por Rosenfield (2015 p. 79) dado provocar “inúmeras mudanças
imperceptíveis que se conjugavam numa reviravolta drástica das opiniões, da
sensibilidade e dos gestos da vida cotidiana, refletindo os destinos de
inúmeras relações sociais, amigáveis ou matrimoniais […]”. Não estava em causa
a utilização da propaganda para apresentar ideias e ideais, mas para persuadir
e incutir, de lança mão de instrumentos para falsificar fatos e ideologias e
ganhar a adesão massiva para a implementação do projeto de poder totalitário.
O nazismo contou com a adesão
explícita de muitos entusiastas e a obediência amedrontada dos restantes,
espécie de “submissão diabólica à marcha indiferente do mundo” (MUSIL, v. II,
p. 160), mas não sem a percepção de intelectuais como Klemperer (1999, p. 12)
que anotou na entrada de seu diário em 14.01.1933 – uma quinzena antes da
ascensão de Hitler ao poder em 30.01.1933 – que “É uma vergonha que a cada dia
se torna pior. E todos se calam e baixam a cabeça, principalmente os judeus e
sua imprensa democrática”. A submissão percebida por Musil preparou o terreno
sobre o qual transitaria a missa fúnebre do povo alemão, fenômeno antecipado
por Klemperer (1999, p. 14) ao decorrer dois meses do novo regime anotando em
seu diário que “Ninguém ousa dizer nada, todos estão com medo”. Uma vez mais, a
paralisia imposta aos indivíduos pela infusão do medo foi o dínamo que moveu a
roda da máquina da morte sob o olhar contemplativo das forças que poderiam
tê-la detido.
*Professor Associado da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC). Mestre em Filosofia do Direito (UNIVEM). Especialista em Direito Constitucional e Ciência Política (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales / Madrid). Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito (UnB) (2016-2019). Pós-Doutor em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM).
BIBLIOGRAFIA
KLEMPERER, Viktor. Os diários de Viktor Klemperer. Testemunho de um judeu clandestino na Alemanha nazista. São Paulo: Objetiva, 1999.
LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
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