Há dois séculos, ele é o emblema da industrialização e do capitalismo. Suas propriedades são notáveis, mas a lógica de infinitude associada a ele nos projetou em crise ambiental e civilizatória. Substituí-lo exigirá criar outra sociedade.
O petróleo bruto, convencional, tornou-se a substância mais decisiva e determinante na evolução da civilização humana. Não há outro recurso que possua a mesma densidade energética por unidade de massa e volume; nenhum é tão versátil e contínuo, nem tão fácil de transportar e armazenar: um litro de diesel contém a energia suficiente para fazer um caminhão de 40 toneladas andar ao longo de três quilômetros. Nenhuma bateria elétrica conseguiria fazer o mesmo.
SEM PETRÓLEO, NÃO HÁ GLOBALIZAÇÃO!
Energia é economia: não existe produção de bens ou de serviços que não envolva o consumo de energia fóssil. O PIB é proporcional ao consumo de petróleo. A globalização não teria sido possível sem a potência energética do petróleo. A economia industrial moderna, em escala global, não funciona sem os hidrocarbonetos que movimentam sem parar bilhões de turbinas de combustão e motores diesel. Quando alguém fala sobre o fim da era dos combustíveis fósseis, essa pessoa está falando sobre o fim da globalização — mas, talvez, ela nem saiba disso.
Os derivados do petróleo são absurdamente baratos: um litro de diesel custa menos do que um dólar (média mundial). É mais barato do que uma xícara de café! Se a potência de um galão de diesel, que custa menos do que US$ 4 dólares, tivesse de ser gerada por trabalho humano (pago com o salário mínimo dos Estados Unidos), custaria quase US$ 835 dólares. Como pode uma riqueza energética tão imensa custar tão pouco, como ocorre com o petróleo e seus derivados? Apesar disso, os analistas falam do fim da era dos combustíveis fósseis como se estivessem tratando de um assunto qualquer. Como que a economia global poderia abandonar a substância mais importante e decisiva na história da civilização, se ela é tão barata? É claro! “Nossa consciência sobre as mudanças climáticas é tão forte, que decidimos parar de utilizar o petróleo, de forma voluntária”.
O preço do petróleo está cada vez mais baixo
A indústria de fracking endividou-se constantemente na última década. A queda do preço reduziu seus ingressos econômicos e as dívidas tiveram que ser refinanciadas, o que não seria possível sem as taxas de juros que banco central norte-americano (Federal Reserve) tem reduzido sistematicamente. O fracking é uma bolha financeira que funciona com a mesma lógica das hipotecas de alto risco ou subprime.
Mas não só o petróleo não convencional está em apuros. Com o aumento dos custos de produção e um cenário de preços baixos, o investimento de capitais na exploração e produção da indústria global de petróleo caiu em 2015 e 2016. Dada a gravidade da situação, a Agência Internacional de Energia (IEA) observou que o fornecimento de petróleo mundial poderia não atender à demanda em 2020, a menos que os investimentos aumentassem. Uma leve recuperação nos anos seguintes não impediu que o investimento em 2019 fosse ainda assim 36% menor do que em 2014. (Para entender o golpe contra Dilma, a Lava Jato e os ataques a PETROBRÁS. E também para compreender a crise na Venzuela IEA, IEA 2).
O PAPEL DA PANDEMIA NESSA CRISE GLOBAL
A indústria global de petróleo vem experimentando um impacto inédito em sua história. A IEA calcula que até o final de 2020, o investimento ficará 30% abaixo do realiado em 2019. Sem investimento, a produção cairá e não haverá petróleo disponível quando a economia voltar a demandá-lo normalmente. Se o petróleo convencional já está sofrendo, o fracking está em colapso total. A Chesapeake Energy Corporation, considerada pioneira no setor, anunciou que pode ter de pedir proteção contra falência. E as demissões na indústria do petróleo estão na ordem do dia.
Em abril de 2020, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo chegou a um acordo com outros produtores para reduzir os níveis de produção em mais de 20% durante maio e junho. Muitos países exportadores de petróleo enfrentarão enormes dificuldades com a redução de seus gastos públicos. Os mais debilitados podem vir a sofrer uma “falência petrolífera“: uma situação de instabilidade e violência política derivada de uma redução drástica na renda obtida pelo petróleo.
A pandemia de covid-19 tem atuado como o maior disruptor da história da humanidade, afetando um sistema que já estava em crise. O “coma induzido” da economia global pode ser visto como o “golpe de misericórdia” para a indústria petrolífera, e as consequências serão revolucionárias. A globalização, que tem uma dimensão metabólica inevitável, consiste, essencialmente, em estabelecer um padrão de fluxos globais de matéria e energia. Sem esse padrão de fluxos, a globalização não é possível, independentemente das intenções políticas, dos desejos do consumidor, dos planos de investimento empresarial ou das geoestratégias das grandes potências. A interrupção prolongada do fluxo pode levar a panes simultâneas em escala global.
Isto não é uma apologia ao petróleo. Estou convencido de que as mudanças climáticas em curso (em conjunto com os outros limites do planeta) podem nos levar, em poucas décadas, a atravessar o limiar de um planeta assolado pelo efeito-estufa, incompatível com a civilização humana. Devemos abandonar os combustíveis fósseis e nos refugiar em energias renováveis, apesar de todas as suas limitações. Mas, à medida em que o suprimento global de petróleo diminuir, a economia estará se desglobalizando. E se o processo é caótico, pode também ser violento. O vínculo entre economia e energia é tão próximo que as consequências econômicas da pandemia já causam uma escalada da violência, que já estava em andamento mesmo antes de o elefante entrar na loja de cristais.
O problema não é a pandemia. O problema é que atingimos os limites de produção da energia líquida e da biocapacidade do planeta. Nosso problema tem nome: crise civilizatória. Para sobreviver, precisaremos reinventar tudo: o modo de produzir alimentos, de construir habitação, de nos aquecermos, de nos locomovermos, de nos relacionarmos com a natureza e, principalmente, a forma de nos relacionarmos entre nós todos.
Fontes consultadas:
Muito boa a reportagem. Parei para lê agora 😄. A relação entre preço e dificuldade de Extração / qualidade é brutal.
ResponderExcluir