domingo, 2 de maio de 2021

PRAZER SENHOR MINISTRO, EU SOU A FILHA DO PORTEIRO!

                
                                        Gabriella Figueredo e os pais na formatura.ARQUIVO PESSOAL

A filha do ‘paraíba’ se formou com o programa criticado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no país onde a crise da educação “não é uma crise, é um projeto”, como afirmou Darcy Ribeiro.


Era janeiro de 2019, lá estava eu num hotel na Barra da Tijuca, onde seria a colação de grau dos formandos de Letras e dos demais cursos da PUC-Rio. Eu estava sentada, enquanto a cerimônia começava, meus pais muito distantes de mim, mas eu pensava neles, pensava no quão aquele dia era importante para nós.Um filme passou na minha cabeça. Lembro do dia em que comemorei a aprovação de uma grande amiga, também filha de porteiro, no vestibular da UFF. Ela havia passado para o curso de Direito. Gritamos juntas no telefone. Depois, seria eu que comemoraria minha aprovação na PUC-Rio. Nunca pensei que estudaria nessa universidade, nos primeiros dias de aula estava sempre nervosa. E ouvi quando estava no primeiro período de um morador do prédio onde meu pai trabalha que a PUC não era lugar para mim, pois era uma universidade muito cara.

Mal sabia ele que naquela universidade privada estudou a vereadora Marielle Franco e a deputada estadual do Rio de Janeiro, Renata Souza, ambas crias da Maré. Quando digitamos PUC-Rio no Google, em geral aparecem os ex-alunos famosos e ilustres, como o ex-ministro Pedro Malan, o ator Rodrigo Santoro e o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes. Porém, eu e muitos alunos da periferia, negros e não tão famosos, tivemos também a oportunidade de frequentar as salas de aula da universidade localizada na Gávea, Zona Sul do Rio. Isso só foi possível graças aos programas sociais como o Prouni, o Fies e as cotas raciais criadas nos governos Lula e Dilma. Eu tenho orgulho de ter estudado com alunos bolsistas Prouni, eram os primeiros da família a ingressarem numa universidade, como eu. Eu também tenho orgulho de ter visto alguns dos meus colegas da escola ―do ensino fundamental ao médio― receberem um diploma universitário. Muitos deles moradores da Rocinha e do Vidigal, filhos de empregadas domésticas, manicures e taxistas.

Eu fui aluna de escola pública, nunca a frase do grande Darcy Ribeiro fez tanto sentido desde a época em que o César Maia foi prefeito do Rio de Janeiro. “A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”. Eu escapei da aprovação automática porque conclui o ensino fundamental em 2004, e sou grata à minha professora de Português na escola Henrique Dodsworth, em Ipanema, que nos incentivava a gostar de ler. Lembro que na sétima série, ouvi de uma professora que o pai trabalhava vendendo alfinetes para pagar a sua escola particular. Ela era negra e não parava de repetir em suas aulas que deveríamos estudar e muito. Era algo que eu já ouvia dentro de casa, meus pais não puderam estudar e eu deveria aproveitar a oportunidade que eles me davam...

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...Em novembro de 2020, já de volta ao Rio, fui tema de uma reportagem no EL PAÍS. Fiquei emocionada. Hoje, maio de 2021, escrevo este artigo em resposta à fala do senhor Ministro da Economia, Paulo Guedes sobre o FIES. 
Prazer, senhor Ministro, eu sou a filha do porteiro.

"A elite não aceita que filha do porteiro estude no exterior", diz mestranda brasileira na Europa."

Parece brincadeira, mas, essa matéria foi feita em novembro de 2020. Em 2021, o que poderia ter sido um "delírio" da estudante, uma fala de efeito para ser matéria, o tempo mostrou o quanto ela estava correta. A fala de Paulo Guedes, não foi mal colocada, não foi um deslize, não foi um acidente linguístico, não foi uma mal interpretação da sociedade. Foi de fato:
A FALA QUE REFLETE A CLASSE MÉDIA BRASILEIRA!

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