domingo, 16 de outubro de 2016



Carta de encaminhamento da PEC 241, ao presidente da República.
A explicação do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles

Brasília, 15 de Junho de 2016 Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República, 

1. Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência Proposta de Emenda à Constituição que visa criar o Novo Regime fiscal no âmbito da União. Esse instrumento visa reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o Governo Federal. 

2. Faz-se necessária mudança de rumos nas contas públicas, para que o País consiga, com a maior brevidade possível, restabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública. É importante destacar que, dado o quadro de agudo desequilíbrio fiscal que se desenvolveu nos últimos anos, esse instrumento é essencial para recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e empregos. Corrigir o desequilíbrio das contas públicas é condição necessária para retirar a economia brasileira da situação crítica que Vossa Excelência recebeu ao assumir a Presidência da República. 

3. No âmbito da União, a deterioração do resultado primário nos últimos anos, que culminará com a geração de um déficit de até R$170 bilhões este ano, somada à assunção de obrigações, determinou aumento sem precedentes da dívida pública federal. De fato, a Dívida Bruta do Governo Geral passou de 51,7% do PIB, em 2013, para 67,5% do PIB em abril de 2016 e as projeções indicam que, se nada for feito para conter essa espiral, o patamar de 80% do PIB será ultrapassado nos próximos anos. Note-se que, entre as consequências desse desarranjo fiscal, destacam-se os elevados prêmios de risco, a perda de confiança dos agentes econômicos e as altas taxas de juros, que, por sua vez, deprimem os investimentos e comprometeram a capacidade de crescimento e geração de empregos da economia. Dessa forma, ações para dar sustentabilidade às despesas públicas não são um fim em si mesmas, mas o único caminho para a recuperação da confiança, que se traduzirá na volta do crescimento. 

4. A raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária. No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%. Torna-se, portanto, necessário estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a expansão da dívida pública. Esse é o objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição. 

5. O atual quadro constitucional e legal também faz com que a despesa pública seja procíclica, ou seja, a despesa tende a crescer quando a economia cresce e vice-versa. O governo, em vez de atuar como estabilizador das altas e baixas do ciclo econômico, contribui para acentuar a volatilidade da economia: estimula a economia quando ela já está crescendo e é obrigado a fazer ajuste fiscal quando ela está em recessão. A face mais visível desse processo são as grandes variações de taxas de juros e de taxas de desemprego, assim como crises fiscais recorrentes. A esse respeito, cabe mencionar a vinculação do volume de recursos destinados a saúde e educação a um percentual da receita. 

6. Também tem caráter procíclico a estratégia de usar meta de resultados primários como âncora da política fiscal. Na fase positiva do ciclo econômico, é relativamente fácil obter superávits devido ao natural crescimento das receitas, ou seja, torna-se factível conjugar obtenção de superávit primário com elevação de gastos. Como o inverso ocorre na fase negativa do ciclo econômico, acaba sendo necessário fazer ajuste fiscal em momentos de recessão. 

7. Nos últimos anos, aumentaram-se gastos presentes e futuros, em diversas políticas públicas, sem levar em conta as restrições naturais impostas pela capacidade de crescimento da economia, ou seja, pelo crescimento da receita. É fundamental para o equilíbrio macroeconômico que a despesa pública seja gerida numa perspectiva global. Nesse sentido, qualquer iniciativa que implique aumento de gastos não deve ser analisada isoladamente, haja vista que essa abordagem tende a levar a conclusões equivocadas sobre seus benefícios e custos. De fato, nossa experiência ensinou que o processo descentralizado e disperso de criação de novas despesas gerou crescimento acelerado e descontrolado do gasto. Isso posto, faz-se necessário a introdução de limites ao crescimento da despesa global, ao mesmo tempo em que se preservam as prerrogativas dos poderes constituídos para alocarem os recursos públicos de acordo com as prioridades da população e a legislação vigente. 

8. Com vistas a aprimorar as instituições fiscais brasileiras, propomos a criação de um limite para o crescimento das despesas primária total do governo central. Dentre outros benefícios, a implementação dessa medida: aumentará previsibilidade da política macroeconômica e fortalecerá a confiança dos agentes; eliminará a tendência de crescimento real do gasto público, sem impedir que se altere a sua composição; e reduzirá o risco-país e, assim, abrirá espaço para redução estrutural das taxas de juros. Numa perspectiva social, a implementação dessa medida alavancará a capacidade da economia de gerar empregos e renda, bem como estimulará a aplicação mais eficiente dos recursos públicos. Contribuirá, portanto, para melhorar da qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs brasileiro.

9. O Novo Regime Fiscal, válido para União, terá duração de vinte anos. Esse é o tempo que 
consideramos necessário para transformar as instituições fiscais por meio de reformas que garantam que a dívida pública permaneça em patamar seguro. Tal regime consiste em fixar meta de expansão da despesa primária total, que terá crescimento real zero a partir do exercício subsequente ao de aprovação deste PEC, o que levará a uma queda substancial da despesa primária do governo central como porcentagem do PIB. Trata-se de mudar a trajetória do gasto público federal que, no período 1997-2015 apresentou crescimento médio de 5,8% ao ano acima da inflação. 

10. Por ser de duração previamente estabelecida, o Novo Regime Fiscal será inscrito no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Fixa-se, para o exercício de 2017, limite equivalente à despesa realizada em 2016, corrigida pela inflação observada em 2016. A partir do segundo exercício, o limite para a despesa primária será naturalmente incorporado ao processo de elaboração da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual, e consistirá no valor do limite do exercício anterior, corrigido pela inflação do exercício anterior. Tal correção será feita pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). 

11. Outra característica relevante é que o limite será estabelecido para cada um dos Poderes e para os órgãos com autonomia administrativa e financeira. Ou seja, haverá limite individualizado para o Poder Executivo, para o Poder Judiciário, para o Poder Legislativo (aí incluído o Tribunal de Contas da União), para o Ministério Público da União e para a Defensoria Pública da União. Trata-se de garantir a autonomia de cada um dos Poderes, evitando-se que o Executivo, sozinho, dite os limites de cada um. O que se faz é estabelecer, no texto do ADCT, o limite para cada um dos Poderes e órgãos autônomos, para todo o período de vigência do Novo Regime Fiscal, sem dar ao Executivo discricionariedade na fixação de tais limites. 

12. A regra de se fixar o limite de despesa de um ano, como sendo o limite vigente para o ano anterior, corrigido pela inflação, é aparentemente simples. No entanto, ela contém uma dificuldade de ordem prática. A lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual, referentes a um determinado exercício, são elaboradas ao longo do exercício anterior, quando ainda não se conhece a inflação daquele exercício. Assim, no momento de elaboração da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual não se conhecerá a taxa de inflação que corrigirá o limite de gastos para o exercício seguinte. Para superar tal limitação, propomos que o limite de gastos inscrito na LDO e no orçamento seja calculado com base em estimativa de inflação feita pelo Poder Executivo. No mês de janeiro do exercício em que vigorará o limite de gastos, quando já for conhecida a inflação ocorrida no período janeiro-dezembro do exercício anterior, ajusta-se o limite de despesa de cada Poder ou órgão para considerar a inflação desse período. Tais ajustes serão pequenos e graduais, restritos a mudanças no índice de inflação acumulado em doze meses, e serão facilmente gerenciáveis dentro do modelo proposto. 

13. Para corrigir o já referido problema de possuirmos uma estrutura de gastos procíclica, o Novo Regime Fiscal evita que o limite seja estabelecido como percentual da receita ou do Produto Interno Bruto. Essas duas métricas permitiriam uma expansão mais acelerada do gasto durante os momentos positivos do ciclo econômico, ao mesmo tempo em que exigiriam ajustes drásticos nos momentos de recessão. Nosso objetivo é garantir uma trajetória suave do gasto público, não influenciada pelas oscilações do ciclo econômico. Tendo em vista que a receita continuará a oscilar de forma correlacionada ao nível de atividade, o Novo Regime Fiscal será anticíclico: uma trajetória real constante para os gastos, associada a uma receita variando com o ciclo, resultarão em maiores poupanças nos momentos de expansão e menores superávits em momentos de recessão. Essa é a essência de um regime fiscal anticíclico. 

14. Ocorre, porém, que não poderemos migrar, de imediato, para esse modelo. A gravíssima situação fiscal e o risco não desprezível de perda de controle sobre a dívida pública nos obriga a continuar perseguindo, nos próximos anos, o maior resultado primário possível. Assim, trabalharemos conciliando o limite de despesa aqui instituído com o já existente arcabouço institucional de fixação e perseguição de metas de resultado primário, como previsto no § 1º do art. 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal. 

15. Utilizaremos, portanto, um instrumento de gestão da estabilidade fiscal no curto prazo (o resultado primário) e um instrumento de médio e longo prazo (o limite de despesa). É importante ressaltar que a maior relevância do limite de crescimento real zero da despesa não financeira será justamente no momento em que sairmos da atual recessão. Quando a receita voltar a crescer, e com ela as pressões para gastar mais, contaremos com uma trava para o gasto público que nos permitirá evitar o desequilíbrio fiscal crônico. 

16. A conciliação de metas de resultado primário com limite de despesa nos levou a escolher o conceito de despesa sobre o qual se imporá o limite de gastos. Poderíamos tanto limitar a despesa empenhada (ou seja, aquela que o Estado se comprometeu a fazer, contratando o bem ou serviço) ou a despesa paga (aquela que gerou efetivo desembolso financeiro), aí incluídos os “restos a pagar” vindos de orçamentos de exercícios anteriores e que são efetivamente pagos no ano. Como é sabido, o resultado primário é apurado pelo regime de caixa (desembolso efetivo de recursos), o que nos leva a escolher o mesmo critério para fins de fixação de limite de despesa. Assim, com o mesmo critério adotado nos dois principais instrumentos de gestão fiscal, teremos maior transparência no acompanhamento dos resultados obtidos e maior facilidade para considerar o efeito simultâneo do resultado primário e do limite de gastos. 

17. Essa escolha não se faz sem perdas. O limite sobre a despesa empenhada teria as suas vantagens. Ao impor restrição aos compromissos que o Estado pode assumir, evitaríamos a ocorrência de despesas realizadas e não pagas. Adotando-se o critério de “despesas pagas” não se afasta, a priori, a possibilidade do cumprimento do limite por meio de atrasos de pagamentos, o que não constituiria ajuste fiscal legítimo, mas tão somente repressão fiscal, que empurraria o problema para frente, sem resolvê-lo. 

18. Tal limitação levanta importante questão a respeito do Novo Regime Fiscal. Ele não é um instrumento que resolverá todos os problemas das finanças públicas federais. As regras aqui propostas só funcionarão se forem bem utilizadas por um governo imbuído de responsabilidade fiscal. A experiência do passado recente mostra que não há regra de conduta fiscal que seja blindada contra intenções distorcidas, mas o desenho institucional desta PEC dificultará no período de sua vigência o aumento da despesa primária do governo central. 

19. Nossa intenção é que o Novo Regime Fiscal seja uma das várias ferramentas utilizadas para uma gestão séria do orçamento. Para evitar que os limites sejam contornados por meio do represamento de gastos e acúmulo de restos a pagar, vamos adotar medidas gerenciais e legais adicionais, como uma política prudente de empenho de despesas, limitações à inscrição de despesas em restos a pagar e regras mais rigorosas para cancelamento automático de restos a pagar não processados (aqueles para os quais não houve a efetiva prestação do serviço ou entrega do bem). 

20. É preciso, também, conferir flexibilidade ao Novo Regime Fiscal. A meta de crescimento real zero das despesas, referenciada na inflação passada, ora considerada importante e atingível, pode não ser a mais adequada daqui alguns anos. O sucesso da estabilização fiscal pode permitir que, no futuro, tenhamos uma meta ainda mais ambiciosa como, por exemplo, corrigir o limite pela inflação futura esperada. Isso teria vantagens do ponto de vista da estabilização econômica, ao colaborar com a política monetária, reduzindo a memória inflacionária e coordenando expectativas em torno da meta de inflação futura. Alternativamente, o sucesso da estabilização fiscal e a aceleração do crescimento do PIB podem viabilizar que a despesa cresça a uma taxa um pouco mais alta. Para lidar com essas possibilidades, a PEC prevê que uma lei, de iniciativa exclusiva do Poder Executivo, proporá qual será a taxa de crescimento do limite de gastos a partir do décimo exercício de vigência da regra. 

21. Um desafio que se precisa enfrentar é que, para sair do viés procíclico da despesa pública, é essencial alterarmos a regra de fixação do gasto mínimo em algumas áreas. Isso porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação devem ter um piso, fixado como proporção da receita fiscal. É preciso alterar esse sistema, justamente para evitar que nos momentos de forte expansão econômica seja obrigatório o aumento de gastos nessas áreas e, quando da reversão do ciclo econômico, os gastos tenham que desacelerar bruscamente. Esse tipo de vinculação cria problemas fiscais e é fonte de ineficiência na aplicação de recursos públicos. Note-se que estamos tratando aqui de limite mínimo de gastos, o que não impede a sociedade, por meio de seus representantes, de definir despesa mais elevada para saúde e educação; desde que consistentes com o limite total de gastos. 

22. No caso de o limite de gasto de um dos Poderes ou órgão autônomo ser desrespeitado em um exercício, automaticamente entram em vigor regras de contenção de despesas de pessoal daquele Poder ou órgão para o exercício seguinte. Caso a extrapolação do limite ocorra no âmbito do Poder Executivo, aplicam-se, também, vedações à concessão de novos subsídios e subvenções econômicas, assim como a concessão de novos incentivos ou benefícios de natureza tributária. 

23. Relevante notar as categorias de despesa que não estarão submetidas ao limite. A principal delas é o conjunto de transferências feitas a estados e municípios por repartição de receitas. A maioria destas já não consta efetivamente como despesa federal, e sim como dedução de receita. Outras são registradas pelo mesmo valor, tanto na receita quanto na despesa da União. Também se excluem as despesas de caráter eventual ou de sazonalidade multianual, tais como os créditos extraordinários para lidar com situações atípicas, a capitalização de empresas estatais não dependentes e o financiamento de processos eleitorais. 

24. Certamente a contenção do crescimento do gasto primário, em uma perspectiva de médio prazo, abrirá espaço para a redução das taxas de juros, seja porque a política monetária não precisará ser tão restritiva, seja porque cairá o risco de insolvência do setor público. Juros menores terão impacto sobre o déficit nominal (representado pela soma do déficit primário com as despesas financeiras) e sobre a trajetória da dívida bruta. 

25. Trata-se, também, de medida democrática. Não partirá do Poder Executivo a determinação de quais gastos e programas deverão ser contidos no âmbito da elaboração orçamentária. O Executivo está propondo o limite total para cada Poder ou órgão autônomo, cabendo ao Congresso discutir esse limite. Uma vez aprovada a nova regra, caberá à sociedade, por meio de seus representantes no parlamento, alocar os recursos entre os diversos programas públicos, respeitado o teto de gastos. Vale lembrar que o descontrole fiscal a que chegamos não é problema de um único Poder, Ministério ou partido político. É um problema do país! E todos o país terá que colaborar para solucioná-lo. 

26. Essas são as razões da relevância da proposta de Emenda Constitucional que submetemos à apreciação de Vossa Excelência. Respeitosamente, 

Assinado eletronicamente por: Henrique de Campos Meirelles, Dyogo Henrique de Oliveira

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