Pedestres usam máscaras de proteção na cidade de Milão, na Itália (crédito: JOSI DONELLI/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO)
Paulo Tafner
Para combater o coronavírus, devemos nos basear em evidências e buscar as melhores soluções aplicáveis a cada caso.
Pandemias ocorrem a cada dois ou três séculos. Nos anos 530 da era cristã, a Praga de Justiniano se espalhou pela Europa, pelo Egito e pela Ásia Ocidental. Estima-se que quase um terço da população europeia tenha morrido nos quase 40 anos de surto.
Nos anos 700, o Japão foi assolado pela varíola e há relatos de que um quarto de sua população foi dizimada pela peste.
No século XIV, a peste negra varreu a Europa, grande parte da Ásia e o norte da África. Uma simples pulga era o principal transmissor e pelo menos 70 milhões tiveram a vida ceifada.
Os melhores relatos indicam que a peste começou na Ásia Central, foi se espalhando pela Rota da Seda e tomou dimensão gigantesca pelos três continentes.
Estima-se que somente em meados do século XVII a população europeia tenha retornado ao patamar de antes da pandemia.
A historiografia sobre pestes é vasta. E há as mais variadas como a Peste Antonina no ano de 165, a doença do suor, na Inglaterra (1485 e novos surtos até meados do século seguinte), a epidemia de varíola no México (1520), a peste de Sevilha (1647), a peste de Marselha, na França (1720), a cólera que se espalhou pela Ásia e Europa (1816) e várias outras.
A mais recente pandemia que assolou o mundo ocidental foi a Gripe Espanhola, provocada pelo vírus influenza e extremamente mortal. Entre janeiro de 1918 e dezembro de 1920, infectou 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época.
Não se sabe ao certo o número de mortos, mas há estimativas de que teria provocado a morte de mais de 39 milhões de indivíduos¹, podendo ter matado mais do triplo desse número.
É até hoje considerada uma das pandemias mais mortais da história humana.
Retrospectivamente, o que se nota com clareza é que a velocidade com que uma pandemia se espalha e sua abrangência são muito maiores na modernidade do que no passado.
O mundo globalizado moderno acelera o processo de transmissão e amplia o alcance das doenças. Não há mais “peste” localizada, restrita a um pequeno território, a uma população específica.
Uma pandemia pode se iniciar em uma ilha do Caribe e rapidamente ganhar dimensão mundial, pelo enorme fluxo de pessoas pelo mundo todo.
Até o século passado, o enfrentamento de uma pandemia era precário e em geral adotava-se o isolamento, a incineração de cadáveres e os poucos recursos disponíveis da medicina tradicional, com chás, ervas, banhos etc.
Houve, por certo, a percepção de que saneamento e condições de higiene e limpeza ajudavam tanto no processo de (não) contaminação quanto de resistência da população. Isso fez com que as sociedades investissem em saneamento, em redes de abastecimento d’água potável e coleta de esgoto, em redes de hospitais etc.
O fato cruel, entretanto, é a que a superação se dava, em sua grande maioria, por seleção natural. Sobreviviam aqueles que naturalmente eram imunes às pestes e quem, acometido das doenças, conseguia desenvolver seu sistema imunológico.
Até praticamente o final do século XIX, sequer se sabia com relativa precisão da existência de um mundo microbiológico.
Até o final desse mesmo século, milhares de mulheres morriam logo após parirem, em decorrência de febre puerperal, porque médicos, enfermeiros e todos os profissionais de saúde sequer higienizavam suas mãos, roupas e equipamentos de trabalho, fazendo com que uma única grávida doente tivesse sua doença transmitida para as demais pela própria ação dos agentes de saúde.
Isso mudou radicalmente no século XX. Depois de 70 ou 80 mil anos, nós, os sapiens, conseguimos conhecer e parcialmente dominar o mundo dos micro-organismos.
Além da penicilina e posteriormente de toda sorte de antibióticos e antivirais, desenvolvemos remédios eficazes e inúmeras vacinas, varrendo do mapa uma quantidade enorme de males que ceifavam vidas humanas.
A vida, porém, é uma guerra pela sobrevivência. A cada avanço que temos, novas formas de agressão à vida humana são colocadas. Esse é o caso agora, com a covid-19.
Não temos ainda dados consolidados e estatisticamente confiáveis para decisões importantes que teremos que tomar.
Parece, por exemplo, não haver qualquer correlação estatística entre perfil etário de uma população com o grau de contaminação.
Mas o mesmo não se pode afirmar quando se trata de taxa de hospitalização, internação em unidades de terapia intensiva e letalidade, ainda que com a primeira, tudo indica, não seja tão evidente.
Também segundo as informações disponíveis – e volto a enfatizar, as informações ainda estão sendo processadas, organizadas e tratadas – não houve nenhum óbito de crianças entre zero e nove anos na China, na Coreia, na Espanha e no Brasil.
Na Itália e nos EUA, sabe-se de apenas um caso. E, entre jovens de 10 a 19 anos, a taxa de letalidade é inferior a 0,01%.
Esse conjunto de informações, além de todo o conhecimento médico à disposição das sociedades, tem levado a um intenso e caloroso debate sobre formas de isolar a contaminação ou, como tem sido tratado, “achatar a curva de disseminação” da doença.
Ao mesmo tempo, esforços estão sendo feitos para “estimar” (eu uso o verbo entre aspas, porque até o momento não vi nenhum modelo robusto para tratar do assunto) o impacto econômico das alternativas postas na mesa. Há estimativas que oscilam entre três e cinco pontos do PIB a até 15 pontos do PIB.
Questões cruciais
Minha avaliação é que estamos diante não de um, mas de alguns véus de ignorância.
Véu de ignorância sobre a própria doença, sobre terapêutica, sobre comorbidade, sobre estratégias de isolamento, sobre impactos na economia e sobre medidas de saúde e econômicas para mitigar os custos, sobretudo os das parcelas mais vulneráveis da sociedade.
Certamente, sabemos hoje mais do que sabíamos há um ou dois meses. Já há algum conhecimento sobre padrão de disseminação do vírus, impactos de algumas comorbidades e de estratégias que tiveram maior ou menor sucesso até aqui.
Esse conjunto de véus de ignorância nos leva a questões cruciais tais como: devemos fazer um isolamento “horizontal” ou seria preferível um isolamento “vertical”? Devemos gastar 3% do PIB, ou seria melhor gastarmos 5% ou mesmo 6%?
E, para cada uma dessas decisões, há novas questões que se colocam, por exemplo: o isolamento “horizontal” é neutro em relação aos diversos estratos de renda?
Talvez em uma sociedade com baixa pobreza essa seja uma solução eficaz e de custo relativamente baixo.
Outra coisa é essa mesma solução adotada em um país com elevado grau de pobreza e miséria em que pelo menos 20% da população vive em moradias precárias e minúsculas, verdadeiros focos de disseminação não apenas no âmbito da família, como de toda a vizinhança.
Mais objetivamente, uma coisa é o isolamento nos Jardins ou no Leblon, outra é em Paraisópolis ou na Rocinha.
O fato é que não temos respostas ainda.
Temos, portanto, que usar todo o conhecimento acumulado – da área de saúde, na coleta e tratamento de informações, das modelagens possíveis para estimar a disseminação – e encontramos soluções que não sejam exclusivamente dicotômicas.
Podemos e devemos buscar ações que combinem segregação horizontal com segregação vertical, com identificação de clusters para os quais o isolamento deva ser mais rigoroso do que em outros.
Enfim, devemos nos basear em evidências e buscar as melhores soluções aplicáveis a cada caso.
Sob a ótica econômica, tivéssemos perseverado na política de geração de superávits primários de 2% a 3% do PIB e hoje, frente à pandemia, nossa política de gasto emergencial poderia atingir 6% e mesmo 7 ou 8% do PIB para sustentar a demanda e oferecer renda aos mais desfavorecidos.
Outra coisa é essa mesma ação com primário estruturalmente negativo. Os limites são outros. E os efeitos serão outros também.
Talvez nenhum país abaixo do Equador possa encontrar um caminho fiscal e econômico com suas próprias pernas e a superação exija ação coordenada de vários países de uma mesma região e mesmo apoio de organizações multilaterais.
Temos que enfrentar essa pandemia com coragem e com decisões baseadas em evidências (ainda que essas, como mencionei anteriormente, ainda estejam envoltas em véus de ignorância).
Haverá, por certo, algumas decisões e caminhos que a posteriori se revelarão positivos; outros serão negativos.
E, como sempre, haverá os “engenheiros de obra feita”, os “profetas do acontecido” que bradarão a toda voz que tal decisão foi um erro, que devíamos ter feito isso ou aquilo.
Por mais rude que possa parecer, vamos superar a pandemia com certa dose de experimentação, de tentativa e erro.
Nossas únicas armas serão a decisão baseada em evidência, as ações mitigadoras da paralisia econômica e a ciência.
Virá dessa última a solução definitiva da pandemia. Serão os testes, os remédios e as vacinas nossas armas mais poderosas.
Até lá, temos que evitar a sobrecarga do sistema de saúde. Temos que “achatar” a curva de contaminação para que a concorrência por equipamentos e serviços de saúde seja minimamente compatível com nossa capacidade de oferta.
Nesse sentido, é necessário otimizar recursos para ampliação dessa oferta e a incorporação de inovações de última hora (como os ventiladores compartilhados, por exemplo).
É necessário também que isso seja feito rapidamente, com mais testes, mais ventiladores, maior oferta dos remédios que têm se mostrado mais eficazes.
A pressão sobre administradores será gigantesca. Terão que tomar decisões e providências agindo parcialmente no escuro.
Sobre eles, deixo minha solidariedade, porque sei que no futuro serão chamados aos órgãos de controle (do grupo dos profetas da história acontecida) e terão que gastar tempo e dinheiro para explicar por que fizeram isso em vez daquilo.
Por que compraram esse e não outro equipamento ou por que fizeram compra direta e não a licitação, obedecendo os “ditames da Lei 8.666”.
Nesse sentido, seriam muito bem vindas medidas legislativas emergenciais que flexibilizem a atuação do gestor público – como a suspensão temporária do uso de licitação para ações específicas de combate à pandemia e a flexibilização de todo o processo de execução da despesa orçamentária para os mesmos casos.
Enfrentar a pandemia é tarefa emergencial. Mas não se enganem: o país continuará precisando de grandes e poderosas reformas.
Nesse sentido, a necessidade de uma concertação política é fundamental. Temos que enfrentar a pandemia e temos também que fazer reformas.
No passado, as pandemias agudizaram crendices e produziram ações distanciadas da ciência. Decisões foram tomadas muitas vezes ao arrepio das evidências.
Muitas delas motivaram posteriormente perseguições políticas e religiosas. Não devemos repetir tais erros.
¹Ver Barro, Urzúa e Weng, 2020.
Nos anos 700, o Japão foi assolado pela varíola e há relatos de que um quarto de sua população foi dizimada pela peste.
No século XIV, a peste negra varreu a Europa, grande parte da Ásia e o norte da África. Uma simples pulga era o principal transmissor e pelo menos 70 milhões tiveram a vida ceifada.
Os melhores relatos indicam que a peste começou na Ásia Central, foi se espalhando pela Rota da Seda e tomou dimensão gigantesca pelos três continentes.
Estima-se que somente em meados do século XVII a população europeia tenha retornado ao patamar de antes da pandemia.
A historiografia sobre pestes é vasta. E há as mais variadas como a Peste Antonina no ano de 165, a doença do suor, na Inglaterra (1485 e novos surtos até meados do século seguinte), a epidemia de varíola no México (1520), a peste de Sevilha (1647), a peste de Marselha, na França (1720), a cólera que se espalhou pela Ásia e Europa (1816) e várias outras.
A mais recente pandemia que assolou o mundo ocidental foi a Gripe Espanhola, provocada pelo vírus influenza e extremamente mortal. Entre janeiro de 1918 e dezembro de 1920, infectou 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época.
Não se sabe ao certo o número de mortos, mas há estimativas de que teria provocado a morte de mais de 39 milhões de indivíduos¹, podendo ter matado mais do triplo desse número.
É até hoje considerada uma das pandemias mais mortais da história humana.
Retrospectivamente, o que se nota com clareza é que a velocidade com que uma pandemia se espalha e sua abrangência são muito maiores na modernidade do que no passado.
O mundo globalizado moderno acelera o processo de transmissão e amplia o alcance das doenças. Não há mais “peste” localizada, restrita a um pequeno território, a uma população específica.
Uma pandemia pode se iniciar em uma ilha do Caribe e rapidamente ganhar dimensão mundial, pelo enorme fluxo de pessoas pelo mundo todo.
Até o século passado, o enfrentamento de uma pandemia era precário e em geral adotava-se o isolamento, a incineração de cadáveres e os poucos recursos disponíveis da medicina tradicional, com chás, ervas, banhos etc.
Houve, por certo, a percepção de que saneamento e condições de higiene e limpeza ajudavam tanto no processo de (não) contaminação quanto de resistência da população. Isso fez com que as sociedades investissem em saneamento, em redes de abastecimento d’água potável e coleta de esgoto, em redes de hospitais etc.
O fato cruel, entretanto, é a que a superação se dava, em sua grande maioria, por seleção natural. Sobreviviam aqueles que naturalmente eram imunes às pestes e quem, acometido das doenças, conseguia desenvolver seu sistema imunológico.
Até praticamente o final do século XIX, sequer se sabia com relativa precisão da existência de um mundo microbiológico.
Até o final desse mesmo século, milhares de mulheres morriam logo após parirem, em decorrência de febre puerperal, porque médicos, enfermeiros e todos os profissionais de saúde sequer higienizavam suas mãos, roupas e equipamentos de trabalho, fazendo com que uma única grávida doente tivesse sua doença transmitida para as demais pela própria ação dos agentes de saúde.
Isso mudou radicalmente no século XX. Depois de 70 ou 80 mil anos, nós, os sapiens, conseguimos conhecer e parcialmente dominar o mundo dos micro-organismos.
Além da penicilina e posteriormente de toda sorte de antibióticos e antivirais, desenvolvemos remédios eficazes e inúmeras vacinas, varrendo do mapa uma quantidade enorme de males que ceifavam vidas humanas.
A vida, porém, é uma guerra pela sobrevivência. A cada avanço que temos, novas formas de agressão à vida humana são colocadas. Esse é o caso agora, com a covid-19.
Não temos ainda dados consolidados e estatisticamente confiáveis para decisões importantes que teremos que tomar.
Parece, por exemplo, não haver qualquer correlação estatística entre perfil etário de uma população com o grau de contaminação.
Mas o mesmo não se pode afirmar quando se trata de taxa de hospitalização, internação em unidades de terapia intensiva e letalidade, ainda que com a primeira, tudo indica, não seja tão evidente.
Também segundo as informações disponíveis – e volto a enfatizar, as informações ainda estão sendo processadas, organizadas e tratadas – não houve nenhum óbito de crianças entre zero e nove anos na China, na Coreia, na Espanha e no Brasil.
Na Itália e nos EUA, sabe-se de apenas um caso. E, entre jovens de 10 a 19 anos, a taxa de letalidade é inferior a 0,01%.
Esse conjunto de informações, além de todo o conhecimento médico à disposição das sociedades, tem levado a um intenso e caloroso debate sobre formas de isolar a contaminação ou, como tem sido tratado, “achatar a curva de disseminação” da doença.
Ao mesmo tempo, esforços estão sendo feitos para “estimar” (eu uso o verbo entre aspas, porque até o momento não vi nenhum modelo robusto para tratar do assunto) o impacto econômico das alternativas postas na mesa. Há estimativas que oscilam entre três e cinco pontos do PIB a até 15 pontos do PIB.
Questões cruciais
Minha avaliação é que estamos diante não de um, mas de alguns véus de ignorância.
Véu de ignorância sobre a própria doença, sobre terapêutica, sobre comorbidade, sobre estratégias de isolamento, sobre impactos na economia e sobre medidas de saúde e econômicas para mitigar os custos, sobretudo os das parcelas mais vulneráveis da sociedade.
Certamente, sabemos hoje mais do que sabíamos há um ou dois meses. Já há algum conhecimento sobre padrão de disseminação do vírus, impactos de algumas comorbidades e de estratégias que tiveram maior ou menor sucesso até aqui.
Esse conjunto de véus de ignorância nos leva a questões cruciais tais como: devemos fazer um isolamento “horizontal” ou seria preferível um isolamento “vertical”? Devemos gastar 3% do PIB, ou seria melhor gastarmos 5% ou mesmo 6%?
E, para cada uma dessas decisões, há novas questões que se colocam, por exemplo: o isolamento “horizontal” é neutro em relação aos diversos estratos de renda?
Talvez em uma sociedade com baixa pobreza essa seja uma solução eficaz e de custo relativamente baixo.
Outra coisa é essa mesma solução adotada em um país com elevado grau de pobreza e miséria em que pelo menos 20% da população vive em moradias precárias e minúsculas, verdadeiros focos de disseminação não apenas no âmbito da família, como de toda a vizinhança.
Mais objetivamente, uma coisa é o isolamento nos Jardins ou no Leblon, outra é em Paraisópolis ou na Rocinha.
O fato é que não temos respostas ainda.
Temos, portanto, que usar todo o conhecimento acumulado – da área de saúde, na coleta e tratamento de informações, das modelagens possíveis para estimar a disseminação – e encontramos soluções que não sejam exclusivamente dicotômicas.
Podemos e devemos buscar ações que combinem segregação horizontal com segregação vertical, com identificação de clusters para os quais o isolamento deva ser mais rigoroso do que em outros.
Enfim, devemos nos basear em evidências e buscar as melhores soluções aplicáveis a cada caso.
Sob a ótica econômica, tivéssemos perseverado na política de geração de superávits primários de 2% a 3% do PIB e hoje, frente à pandemia, nossa política de gasto emergencial poderia atingir 6% e mesmo 7 ou 8% do PIB para sustentar a demanda e oferecer renda aos mais desfavorecidos.
Outra coisa é essa mesma ação com primário estruturalmente negativo. Os limites são outros. E os efeitos serão outros também.
Talvez nenhum país abaixo do Equador possa encontrar um caminho fiscal e econômico com suas próprias pernas e a superação exija ação coordenada de vários países de uma mesma região e mesmo apoio de organizações multilaterais.
Temos que enfrentar essa pandemia com coragem e com decisões baseadas em evidências (ainda que essas, como mencionei anteriormente, ainda estejam envoltas em véus de ignorância).
Haverá, por certo, algumas decisões e caminhos que a posteriori se revelarão positivos; outros serão negativos.
E, como sempre, haverá os “engenheiros de obra feita”, os “profetas do acontecido” que bradarão a toda voz que tal decisão foi um erro, que devíamos ter feito isso ou aquilo.
Por mais rude que possa parecer, vamos superar a pandemia com certa dose de experimentação, de tentativa e erro.
Nossas únicas armas serão a decisão baseada em evidência, as ações mitigadoras da paralisia econômica e a ciência.
Virá dessa última a solução definitiva da pandemia. Serão os testes, os remédios e as vacinas nossas armas mais poderosas.
Até lá, temos que evitar a sobrecarga do sistema de saúde. Temos que “achatar” a curva de contaminação para que a concorrência por equipamentos e serviços de saúde seja minimamente compatível com nossa capacidade de oferta.
Nesse sentido, é necessário otimizar recursos para ampliação dessa oferta e a incorporação de inovações de última hora (como os ventiladores compartilhados, por exemplo).
É necessário também que isso seja feito rapidamente, com mais testes, mais ventiladores, maior oferta dos remédios que têm se mostrado mais eficazes.
A pressão sobre administradores será gigantesca. Terão que tomar decisões e providências agindo parcialmente no escuro.
Sobre eles, deixo minha solidariedade, porque sei que no futuro serão chamados aos órgãos de controle (do grupo dos profetas da história acontecida) e terão que gastar tempo e dinheiro para explicar por que fizeram isso em vez daquilo.
Por que compraram esse e não outro equipamento ou por que fizeram compra direta e não a licitação, obedecendo os “ditames da Lei 8.666”.
Nesse sentido, seriam muito bem vindas medidas legislativas emergenciais que flexibilizem a atuação do gestor público – como a suspensão temporária do uso de licitação para ações específicas de combate à pandemia e a flexibilização de todo o processo de execução da despesa orçamentária para os mesmos casos.
Enfrentar a pandemia é tarefa emergencial. Mas não se enganem: o país continuará precisando de grandes e poderosas reformas.
Nesse sentido, a necessidade de uma concertação política é fundamental. Temos que enfrentar a pandemia e temos também que fazer reformas.
No passado, as pandemias agudizaram crendices e produziram ações distanciadas da ciência. Decisões foram tomadas muitas vezes ao arrepio das evidências.
Muitas delas motivaram posteriormente perseguições políticas e religiosas. Não devemos repetir tais erros.
¹Ver Barro, Urzúa e Weng, 2020.
Paulo Tafner
Especialista em previdência,
economista, doutor em ciência política e pesquisador da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (Fipe). Publicou diversos livros: o mais recente é Reforma
da previdência: por que o Brasil não pode esperar?, escrito em conjunto com
Pedro Nery. Um dos coordenadores da proposta de reforma da previdência entregue
ao novo governo.
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