(Foto: Carolina Antunes/PR)
MITO X HERÓI
REUTERS/Adriano Machado
Não somos um país real. Somos uma história em quadrinhos. Somos um folclore. Parece que estamos estamos vivendo dentro de uma realidade paralela, já temos um Brasil paralelo.
O "mito" não conseguiu conviver com o "heroi".
Estamos numa revista em quadrinhos?? Estamos numa película cinematográfica?
Assisti:
MITO X HEROI
ou
CAPITÃO AMÉRCICA: Guerra civil
Fica a critério de cada um. Diante da situação nacional, fico de Capitão América: guerra civil. É menos danoso ao país.
"Bom dia a todos. Quero
cumprimentar não só os jornalistas, o pessoal da imprensa, mas especialmente o
pessoal do Ministério da Justiça e Segurança Pública aqui presente, muitos
também gostariam de estar aqui presente, mas nós buscamos ao máximo evitar
aglomerações, não conseguimos totalmente, mas, enfim."
Primeiro eu queria lamentar a
realização dessa — eu pediria silêncio para falar sem intervenção. Eu queria
lamentar esse evento na data de hoje. Nós estamos passando por uma pandemia da
covid-19. Ontem, uma informação lamentável de 407 óbitos, 3.313 óbitos no
total. Então, durante essa pandemia, infelizmente tendo que realizar esse
evento, busquei ao máximo evitar que isso acontecesse, mas foi inevitável.
Então peço a compreensão de todos pela circunstância adversa, mas não foi por
minha opção.
Antes de entrar no assunto
específico, eu queria fazer só algumas reflexões gerais para poder justificar
minhas decisões. Antes de assumir o cargo de ministro da Justiça e Segurança
Pública eu fui juiz federal por 22 anos e tive diversos casos criminais
relevantes. Desde 2014, em particular, nós tivemos a operação Lava Jato, que
mudou o patamar de combate a corrupção no país. Claro que existe muito ainda a
ser feito, mas aquela grande corrupção, que em geral era impune, esse cenário
foi modificado. Isso foi um trabalho no Judiciário, no Ministério Público, de
outros órgãos e na parte da investigação principalmente da Polícia Federal.
Durante esses anos, desde 2014 na
Lava Jato, a gente sempre tinha uma preocupação constante de uma interferência
do Executivo nos trabalhos de investigação e isso poderia ser feito de diversas
formas. Troca do diretor-geral, assim que houvesse causa, troca do
superintendente… Tivemos, no início da Lava Jato, o superintendente Rosalvo
Ferreira. Convidei aqui para o Ministério, está fazendo um grande trabalho.
Depois foi sucedido pelo superintendente Valeixo, também nomeado diretor-geral
da Polícia Federal, fazendo também um grande trabalho. Houve essa substituição,
mas na época foi pela aposentadoria do doutor Rosalvo e, enfim, foi garantida a
autonomia da Polícia Federal durante esses trabalhos de investigação.
É certo que o governo da época
tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção que
aconteceram naquela época, mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF
para que fosse possível realizar esses trabalhos. Seja de bom grado ou seja
pela pressão da sociedade, essa autonomia foi mantida e isso permitiu que os
resultados fossem alcançados.
Isso é até um ilustrativo da importância de
garantir o Estado de Direito, o “run of law”, a autonomia das instituições de
controle e de investigação. Lembrando aqui até um episódio que, em um domingo
qualquer durante aquelas investigações, lembro que foi o superintendente
Maurício Valeixo que recebeu uma ordem de soltura ilegal do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, então condenado por corrupção e preso. Essa ordem foi
emitida por um juiz incompetente. Depois, isso foi reconhecido nas demais
instâncias, foi graças à autonomia dele, e ao sentimento da necessidade de
cumprimento de dever que ele comunicou às autoridades judiciárias e foi
possível rever essa ordem ilegal, antes que ela fosse executada, demonstrando
empenho dessas autoridades e a importância da autonomia das organizações de
controle.
Final de 2018, essa história é um
pouco repetida. Eu recebi o convite do então eleito presidente da República
Jair Bolsonaro, e já falei diversas vezes, é fácil repetir essa história,
porque é verdadeira. E fui convidado a ser ministro da Justiça e da Segurança
Pública. O que foi conversado com o presidente, no dia 1º de novembro, foi que
nós teríamos o compromisso com o combate à corrupção e ao crime organizado e à
criminalidade violenta. Inclusive, me foi prometido na ocasião “carta branca”
para nomear todos os assessores, inclusive desses órgãos policiais, como
Polícia Rodoviária Federal e a própria Polícia Federal. Na ocasião, até
aproveitando aqui um breve parêntese, para desmistificar um dado, foi divulgado
equivocadamente por algumas pessoas que eu teria estabelecido como condição para
assumir o Ministério da Justiça, uma nomeação ao Supremo Tribunal Federal.
Nunca houve essa condição, até
porque seria algo de aceitar um cargo de ministro da Justiça pensando em outro,
isso não é da minha natureza. Eu realmente assumi esse cargo, fui criticado. Eu
entendo essas críticas. Mas a ideia era realmente buscar um nível de formulador
de políticas públicas aqui numa alta posição do Executivo. De aprofundar o
combate à corrupção e levar essa maior efetividade em relação ao crime violento
e crime organizado.
Tem uma única condição que eu
coloquei isso, eu não ia revelar, acho não faz mais sentido manter em segredo e
pode confirmado tanto pelo presidente quanto pelo General Heleno. Como
contribuí 22 anos para a previdência, entendia que saindo da magistratura eu
perderia essa previdência. Pedi apenas, já que nós íamos ser firmes contra a
criminalidade, especialmente contra o crime organizado, que é muito poderoso,
se algo acontecesse comigo, pedi que a minha família não ficasse desamparada,
sem uma pensão. Foi a única condição que eu coloquei para assumir essa posição
específica do Ministério da Justiça.
Permito-me aqui dizer que o
presidente concordou com todas, com esse compromisso, o combate à corrupção, à
criminalidade violenta, à criminalidade organizada. Falou até publicamente que
me daria carta branca. Eu já tinha uma expertise por trabalhar com polícia,
como juiz, evidentemente em relação à criminalidade organizada, e aceitei
novamente com a intenção de realmente fazer com que as coisas evoluíssem. Minha
avaliação na época era que essa aceitação ao convite foi bem acolhida pela
sociedade. E também vi que estando no governo, como também garantidor, claro
que existem outras instituições importantes, Senado, Supremo Tribunal Federal,
Ministério Público, mas entendia, pelo meu passado de juiz e pelo compromisso
com Estado de Direito, eu também poderia ser um garantidor da lei, da
imparcialidade e da autonomia dessas instituições.
Dentro do ministério, me permitam
fazer algumas reflexões. A palavra mote tem sido “integração”. Nós atuamos
muito próximos das forças de segurança estaduais, até mesmo municipais. Nós
realmente trabalhamos duro contra a criminalidade organizada, ouso aqui dizer,
claro que tudo isso é sujeito a críticas e segundas opiniões, mas que não houve
um combate tão efetivo à criminalidade organizada como houve nessa gestão do
Ministério da Justiça e Segurança Pública. Trabalhando não contra, mas com os
governos estaduais. Tivemos o caso, por exemplo, da transferência e isolamento
das lideranças do PCC, tivemos recentemente a prisão da maior autoridade do PCC
em liberdade, 20 anos foragido no exterior, graças a um trabalho de
investigação eficiente da Polícia Federal. Tivemos recordes de apreensão de
drogas, é importante tirar drogas das ruas. Tivemos recordes de destruição de
maconha no Paraguai, que é nosso principal fornecedor. Números expressivos de
apreensão de produto do crime, seja de droga, seja de corrupção, principalmente
pela Polícia Federal. Buscamos fortalecer a Polícia Federal e a Polícia
Rodoviária Federal nesse período, com ampliação de concursos existentes.
Levamos massivamente a Força
Nacional a todo o território nacional. É uma instituição que, a meu ver,
deveria ser fortalecida. Nós estamos, lá no Congresso Nacional uma emenda à
Constituição para que possamos ter com o tempo um corpo próprio. Sem prejuízo
dos mobilizados, sem prejuízo dos requisitados dos estados. Ela tem sido muito
demandada e, às vezes, nós sentimos que não temos perna suficiente. E ela
atendeu diversas emergências de segurança pública nesse período. No Ceará, por
mais de uma vez, espalhada em terras indígenas, enfim… Nós criamos o Seop
(Secretaria de Operações Integradas) nessa linha de fortalecer a investigação.
A Seop desenvolveu um programa chamado “Olhos e Vigia”. Talvez um dos primeiros
programas efetivos de controle de fronteiras e trabalha em conjunto com forças
de segurança estaduais. Investimos em inteligência com centro de fusão. Várias
outras áreas aqui do Ministério da Justiça tiveram, a meu ver, um bom ganho de
efetividade: área do consumidor, área de imigração, área do Senajus. Aqui é só
um retrato, queria fazer algumas justificativas. No momento, o Ministério da
Justiça está voltado principalmente ao enfrentamento da pandemia. Isso
prejudicou um pouco os planos em curso, embora continuassem, mas estamos
cuidando principalmente de EPI, de vacinação, de coordenação das forças de
segurança, com o plano nacional de segurança.
Enquanto o Coaf esteve no
Ministério da Justiça, eu não pedi que o Coaf viesse, mas foi proposto que ele
fosse colocado na estrutura do Ministério da Justiça. Nós o fortalecemos,
depois ele acabou sendo transferido para outros órgãos, onde tem presente que a
estrutura fortalecida se manteve, acho que isso é muito positivo, também é um
órgão de inteligência importantíssimo, que nós devemos inclusive aumentar sua
estrutura e melhorar o seu funcionamento. Tivemos o projeto de lei anticrime,
que foi a principal mudança legislativa durante o nosso período de gestão.
Várias alterações, facilitação de venda de drogas. O Depen fez também um
trabalho fantástico, o Ministério Público, a Senad. Desculpe aqui, um pouco
cansativo todas essas reflexões. O projeto de lei anticrime poderia ter avanços
maiores, infelizmente não foi aprovado em sua totalidade, mas ainda assim na
minha avaliação ele representou um grande avanço.
Eu lembro aqui, num dos primeiros
projetos que nós fizemos, no Ministério da Justiça, logo no início, foi uma
campanha motivacional para os servidores e o tema era “faça a coisa certa
sempre”. Então, esse sempre foi o mote, sempre foi a palavra, frase de ordem do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, faça a coisa certa, não importam as
circunstâncias, arque com as consequências, isso faz parte. Acho que com tudo
isso, nós conseguimos resultados expressivos, alguns deles eu já mencionei,
como as questões de combate ao crime organizado. Mas nós tivemos aqui,
permito-me dizer, uma redução expressiva da criminalidade em 2019. Tudo bem, já
tinha uma queda em 2018, mas em 2019 nós tivemos uma queda em percentuais sem
precedentes históricos, menos 19% de assassinatos, outros crimes caíram
percentualmente até mais, de maneira até mais significativa. Mais de 10 mil
brasileiros deixaram de ser assassinados. Claro, é um resultado compartilhado
com os estados, com os municípios, onde tem combate à violência, ninguém tem
dúvida disso, ninguém quer invocar esse mérito específico de maneira exclusiva,
até porque a proposta do Ministério da Justiça sempre foi integração. O que
importa é o resultado, não quem leva a medalha no final. Mas é muito
significativo, isso me deixa muito feliz, que nesse primeiro ano nós tivemos
resultados assim tão positivos para queda de violência, que é uma grande
aspiração da população brasileira. Claro que temos ainda que melhorar muito
esse cenário, mas, enfim, esse é um trabalho que é permanente e duradouro.
Bem, em todo esse período tive
apoio do presidente Jair Bolsonaro em vários desses projetos, outros nem tanto,
mas a partir do segundo semestre do ano passado passou a haver uma insistência
do presidente na troca do comando da Polícia Federal. Isso inclusive foi
declarado publicamente pelo próprio presidente. Houve primeiro um desejo de
trocar o desejo de trocar um superintendente da Polícia Federal do Rio de
Janeiro. Sinceramente não havia nenhum motivo para essa substituição, mas,
conversando com o superintendente em questão, ele queria sair do cargo por
questões exclusivamente pessoais. Então, nesse cenário, acabamos concordando,
eu e o diretor-geral, em promover essa troca como uma substituição técnica, com
uma substituição de um indicado pela polícia.
Agora tem que fazer uma referência
bastante rápida. Eu não indico superintendente da Polícia Federal. Única pessoa
que indiquei na Polícia Federal foi o diretor o Maurício Valeixo. Não é meu
papel fazer indicações de superintendentes e assim tem sido no ministério como
um todo. Eu sempre tenho solicitado, dado autonomia ao pessoal que trabalha
comigo. A palavra certa não é subordinado, é equipe, para que eles façam as
melhores escolhas. Assim se valorizam os subordinados, desculpe, a equipe, e as
escolhas técnicas. Eu tinha notícia quando eu assumi aqui o Ministério da
Justiça de que havia rumores de que a Polícia Rodoviária Federal tinha algumas
superintendências com indicações políticas. Eu escolhi o diretor-geral, Adriano
Furtado, aqui presente, ele pode testemunhar o que eu disse para ele na ocasião
que eu falei ‘escolha tecnicamente’. O que não é aceitável de maneira nenhuma
são essas indicações políticas. Claro que às vezes existem indicações
positivas, mas quando se começa a preencher esses cargos técnicos,
principalmente de polícia, por questões políticas partidárias, provavelmente o
resultado não é bom para a corporação inclusive.
O presidente, no entanto, passou a
insistir também na troca do diretor-geral. O que que eu sempre disse ao
presidente: ‘Presidente, eu não tenho nenhum problema em trocar o diretor-geral
da Polícia Federal, mas eu preciso de uma causa’. E uma causa normalmente
relacionada a uma insuficiência de desempenho, um erro grave. E, no entanto, o
que eu vi durante todo esse período, até pelo histórico do próprio
diretor-geral, que é um trabalho bem feito. Várias dessas operações importantes
de combate ao crime organizado. Operações também de combate à corrupção que
foram relevantes. Poderiam até ter mais operações. Mas, normalmente, essas
operações elas maturam durante algum tempo e ano passado em particular nós
ficamos aí quatro meses sem poder movimentar inquéritos envolvendo lavagem de
dinheiro, por uma decisão judicial. Isso também prejudicou um pouco os
trabalhos. Mas o trabalho vinha sendo feito e até a queda dessas estatísticas
criminais era um indicador relevante de que o trabalho estava sendo positivo.
E há uma questão do nome: tem
outros bons nomes para assumir o cargo de diretor da polícia federal. Há outros
delegados igualmente competentes. O grande problema de realizar essa troca,
primeiro: haveria uma violação a uma promessa que me foi feita inicialmente,
que eu teria carta branca. Em segundo lugar não havia um causa para essa
substituição e estaria claro que estaria ali havendo uma interferência política
na Polícia federal, o que gera um abalo na credibilidade, não minha, minha
também, mas também do governo, desse compromisso maior que temos que ter com a
lei, com o ‘run of law’. E ia também ter um impacto, na minha opinião, na
própria efetividade da polícia federal. E ia gerar uma desorganização. Não
aconteceu durante a Lava Jato, a despeito de todos os problemas de corrupção
dos governos anteriores. Houve até um episódio em que foi nomeado um diretor no
passado, com intuito de interferência política e não deu certo, ficou pouco
mais de 3 meses. A própria instituição rejeitou essa possibilidade.
E o problema é que nas conversas
com o presidente e isso ele me disse expressamente que não é só troca do
diretor geral. Haveria também intenção de trocar superintendentes, novamente o
superintendente do Rio de Janeiro, outros superintendentes provavelmente viriam
em seguida. Superintendente da polícia federal de pernambuco sem que fosse me
apresentado uma razão, uma causa para realizar esses tipos de substituições que
fossem aceitáveis. Busquei postergar essa decisão. Às vezes até sinalizando que
poderia concordar no futuro com essa possibilidade e até num primeiro momento
pensando não de repente pode ser feito pode ser alterado, mas cada vez mais me
veio a sinalização de que seria um grande equívoco realizar essa substituição.
Ontem, conversei com o presidente, houve essa insistência do presidente. Falei
ao presidente que seria uma interferência política, e ele disse que seria
mesmo. Falei que isso teria um impacto para todos, que seria negativo, mas para
evitar uma crise durante uma pandemia, acho que o momento não é apropriado para
isso, eu sinalizei, vamos substituir o Valeixo por alguém que daria
continuidade aos trabalhos, alguém com perfil absolutamente técnico e que fosse
uma sugestão minha também. Na verdade, nem minha, uma sugestão da própria
Polícia Federal.
Eu sinalizei com o nome do atual
diretor-executivo da polícia federal, Disney Rosseti, eu nem tenho uma grande
familiaridade com Rosseti, mas é uma pessoa de carreira, de confiança e como eu
disse, essas questões não são pessoais, não são preferências pessoais. São
questões que tem que ser decididas tecnicamente. Fiz essa sinalização, mas não
obtive resposta. O presidente tem a preferência por alguns nomes que seriam da
indicação deles, não sei qual que vai ser exatamente a escolha, foi ventilado
nome de um delegado que passou mais tempo no congresso do que na ativa na
Polícia Federal. Foi indicado, sugerido o nome do atual diretor da Abin, tem
até um bom nome dentro da Polícia Federal.
Mas o grande problema é que não é
tanto essa questão de quem colocar o problema é por que trocar? E permitir que
seja feita a interferência política no âmbito da Polícia Federal. O presidente
me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa da confiança
pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações,
relatórios de inteligência. Seja diretor, seja superintendente. E realmente não
é o papel da polícia federal prestar esse tipo de informação. As investigações
têm que ser preservadas. Imaginem se, durante a Lava Jato, o ex-presidente
Lula, a ex-presidente Dilma ficassem ligando para a Polícia Federal em Curitiba
para colher informações sobre as investigações em andamento. A autonomia da
Polícia Federal, com respeito à aplicação da lei, seja a quem for, isso é um
valor fundamental que temos que preservar dentro de um Estado de Direito. O
presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar, mas é algo
que eu não entendi apropriado. Então, o problema não é quem entra, mas por que
alguém entra? E se esse alguém, sendo da corporação, aceitando substituição do
atual diretor-geral, o impacto que isso vai ter na corporação, não conseguir
dizer não ao presidente a uma proposta dessa espécie, eu fico na dúvida se vai
conseguir dizer não a outros temas. Há uma possibilidade que se afirma que o
Maurício Valeixo gostaria de sair. Mas isso não é totalmente verdadeiro. O
ápice da carreira de qualquer policial federal, de todo delegado federal, é a
direção-geral da Polícia Federal. E ele entrou com uma missão. Claro que depois
de tantas pressões para que ele saísse, ele de fato até manifestou a mim:
‘Talvez seja melhor eu sair para diminuir essa cisma e nós conseguirmos
realizarmos uma substituição adequada’. Ele sairia para alguma adidância para
outro cargo, mas nunca isso voluntariamente, mas decorrente dessa pressão que,
a meu ver não é apropriada. E o grande problema, uma substituição que seja
orientada por causas que possam ser sustentadas, não haveria nenhum problema
específico. O presidente também me informou que tinha preocupação com
inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal, em que a troca também seria
oportuna, da Polícia Federal, por esse motivo. Também não é uma razão que
justifique a substituição, é até algo que gera uma grande preocupação.
Enfim, eu sinto que tenho o dever
de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal. E por todos esses motivos,
ainda busquei uma solução alternativa, para tentar evitar uma crise política
durante uma pandemia, acho que o foco deveria ser o combate a pandemia, mas
entendi que eu não podia deixar de lado esse meu compromisso com o Estado de
Direito. A exoneração, que foi publicada, eu fiquei sabendo pelo ‘Diário
Oficial’, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso
foi trazido. Em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um
pedido formal de exoneração.
Depois ele me comunicou que ontem à
noite recebeu uma ligação dizendo que ia sair a exoneração a pedido e se ele
concordava. Ele disse, como é que eu vou concordar com algo, uma coisa, eu vou
fazer o quê? Se ele já está sujeito a exoneração a pedido. Mas o fato é que não
existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal. Sinceramente fui
surpreendido, achei que isso foi ofensivo, vi que depois a Secom confirmou que
houve essa exoneração a pedido, mas isso de fato não é verdadeiro. Para mim,
esse último ato também é uma sinalização de que o presidente me quer realmente
fora do cargo, não me quer presente aqui dentro do cargo. Essa precipitação de
realização da exoneração, não vejo muita justificativa. Eu tenho até outras
divergências, tive outras divergências com o presidente da República durante
essa permanência aqui. Tive muitas convergências, recebi apoio do presidente em
diversas ocasiões importantes, assim como dei apoio ao presidente da República
em várias circunstâncias, tive pontuais divergências mas eu acho que como
ministro estou numa relação que eu tenho que preservar também a questão da
hierarquia. Mas não vou aqui falar dessas outras divergências, isso fica para
uma outra ocasião.
De todo modo, o meu entendimento
foi que eu não tinha como aceitar essa substituição. Há uma questão envolvida
também da minha biografia como juiz, respeito a lei, o Estado de Direito, a
impessoalidade no trato das coisas com o governo. E eu vivenciei isso durante a
Lava Jato. Seria ali um tiro na Lava Jato se houvesse substituição de delegado,
de superintendente naquela ocasião, então eu não me senti confortável. Tenho
que preservar a minha biografia, mas acima de tudo eu tenho que preservar o
compromisso que foi o compromisso que eu assumi inicialmente com o próprio presidente
que nós seríamos firmes no combate à corrupção, crime organizado e
criminalidade violenta. Um pressuposto necessário para isso é que nós temos que
garantir a lei o respeito a lei própria autonomia da Polícia Federal contra
interferências políticas. Certo o presidente indica ele tem essa competência
ele indica o diretor-geral, mas ele assumiu um compromisso comigo inicial de
que seria uma escolha técnica que eu faria essa escolha e o trabalho vem sendo
realizado. Poderia ser alterado o diretor geral, desde que tivesse uma causa
consistente não tem uma causa consistente e percebendo que essa interferência
política pode levar a relações impróprias entre o diretor-geral, entre os
superintendentes, com o presidente da República é algo que realmente não posso
concordar.
Um pouco sobre o futuro. De todo
modo eu agradeço. Agradeço ao presidente da República, a nomeação que foi feita
lá atrás. Acho que nós tínhamos um compromisso e eu fui fiel a esse
compromisso. Acho que estou sendo fiel a esse compromisso num momento em que eu
me encontro aqui dentro do Ministério da Justiça. No futuro, eu vou começar a
empacotar minhas coisas e vou providenciar que o meu encaminhamento, a minha
carta de demissão. Eu infelizmente não tenho como persistir com o compromisso que
eu assumi sem que eu tenha condições de trabalho e de preservar a autonomia da
Polícia Federal para realizar seus trabalhos. Ou sendo forçado a sinalizar um
concordância com uma interferência política na Polícia Federal, cujos
resultados são imprevisíveis.
Espero que, independente da minha
saída, seja feita a escolha de um ou até a própria manutenção do diretor-geral
atual, já que o pedido de exoneração não existe. Mas não havendo essa
possibilidade que seja feita uma escolha técnica, sem preferências pessoais.
Que também, a instituição, dá para se confiar na PF, a PF tem um histórico. Ela
vai também resistir a qualquer espécie de interferência política. Tenho crença
nisso. Que seja indicado alguém que possa realizar um trabalho autônomo,
independente, alguém que não concorde em trocar superintendentes ou delegados
por motivos não justificados. O meu futuro pessoal, após disso, eu abandonei
esses 22 anos de magistratura. Infelizmente é um caminho sem volta. Mas quando
eu assumi, eu sabia dos riscos, vou descansar um pouco.
Esses 22 anos foram de muito
trabalho. Em especial, durante todo esse período da Lava Jato, praticamente não
tive descanso e nem durante o exercício do cargo de ministro da Justiça e
Segurança Pública. Vou procurar mais adiante um emprego. Não enriqueci no
serviço público, nem como magistrado nem como ministro. E quero dizer que
independentemente de onde eu esteja eu sempre vou estar à disposição do país
para ajudar o que quer que seja, se eu puder ajudar nesse período da pandemia
com outras atitudes. Mas, enfim, sempre respeitando o mandamento do ministério
da Justiça e Segurança Pública nessa gestão que é fazer a coisa certa sempre.
Muito obrigado”.
Fonte:
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